UM ROSTO EM FUGA: O AUTO-RETRATO CARDOSIANO EM DIÁRIO COMPLETO
Resumen
A personalização a que Lúcio almeja é a de ser múltiplo sem deixar de ser um. A construção de seu auto-retrato não abrange os moldes tradicionais, pois ele não é uno, fixo, estável e aparenta difusas contradições. Está mais próximo de um painel fragmentado, composto por peças de um mosaico que nunca esboça uma imagem definitiva. É relevante ressaltar, porém, que em Diário completo não é apresentado um personagem puramente imaginário, tal qual é possível encontrar em uma autobiografia ficcional. A imagem do sujeito empírico, no entanto, é sobrepujada pelo domínio do eu poético em sua prosa diária. As multiformes imagens do eu cardosiano geram distintas indagações ontológicas de seu estar-no-mundo, a partir do moto perpétuo que é o seu pensamento em torno da vida e da morte. Estas imagens não são instintivas ou descritas a esmo, mas advindas de um profundo processo de introspecção, como diz Lúcio a respeito de sua identificação pessoal: “Há uma inércia, uma estabilidade em mim que impede o meu arrolamento na hierarquia dos valores manuseáveis; não sou bom senão como medida do desequilíbrio e desconforto” (DC, 104). Diário completo traduz as perspectivas literárias que permitem ao autor acionar uma gama de reflexões ontológicas que circundam a imagem de si: “Todo o meu ser é uma aventura impossível de sonho e de extermínio” (DC, 177).Citas
BARTHES, Roland. Roland Barthes por Roland Barthes. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo, Estação Liberdade, 2003b.
______. O rumor da língua. Tradução: António Gonçalves. Lisboa: Edições 70, 1984.
BATAILLE, Georges. O erotismo. Tradução: Antônio Carlos Viana. Porto Alegre: L & PM, 1987.
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
BRAYNER, Sonia. A construção narrativa: uma gigantesca espiral colorida. In: CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Edição crítica coordenada por Mario Carelli. São Paulo: Scipione Cultural, 1997.
CARDOSO, Lúcio. Diário completo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970.
CARELLI, Mario. A música do sangue. In: CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Edição crítica coordenada por Mario Carelli. São Paulo: Scipione Cultural, 1997.
______. Crônica da casa assassinada: a consumação romanesca. In: CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Edição crítica coordenada por Mario Carelli. São Paulo: Scipione Cultural, 1997.
FREUD, Sigmund. O estranho. In: ______. História de uma neurose infantil e outros trabalhos. Tradução: Eudoro Augusto Macieira de Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Freud. Vol. XVII.
FURTADO, Fernando Fábio Fiorese. Murilo na cidade: os horizontes portáteis do mito. Blumenau: Edifurb, 2003.
JOSEF, Bella. (Auto)biografia: os territórios da memória e da história. In: LEENHARDT, Jacques; PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org.). Discurso histórico e narrativa literária. São Paulo: Unicamp, 1998.
LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
MAN, Paul de. Alegorias da leitura: linguagem figurativa em Rousseau, Nietzsche, Rilke e Proust. Tradução: Lenita R. Esteves. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
MIRANDA, Wander Melo. Corpos escritos. São Paulo: Edusp, 1992.
Descargas
Publicado
Número
Sección
Licencia
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
- Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).