Vigência do trágico: A saga epidiana
Abstract
A saga edipiana apresenta características únicas, comparada à das demais personagens da tragediografia. Enquanto estas praticam atos que lhes trazem a perdição deliberadamente, como se passa por exemplo com Antígona, a qual enterra o irmão enfrentando o edito de Creonte --, Édipo assassina o pai e desposa a mãe involuntariamente, em razão de desconhecer suas origens (génos). Édipo se julga capaz de tudo decifrar, mas pratica tais atos em desconhecimento. Como alguém que está inocente em relação às ações que pratica tem de sofrer tão grave expiação, ainda mais se levando em conta que o oráculo de Delfos vaticinara que ele mataria seus pais? A tradição metafísica ocidental, de fonte platônica e judaico-cristã, não compreende o trágico, porque identificou o “ser” com o Bem ontológico (República, Platão), assim excluindo de seu horizonte o “não-ser”. Com base nesta exclusão, veio a ser fundada a razão abstrata ocidental (ratio). A culpa (áte) edipiana não é a da retributividade da justiça humana (jus), mas a da díke, concernente à justiça ontológica. A noção chave para entender a expiação edipiana é a do erro (hamartía) ontológico. Sua saga, consumada em Édipo Rei e Édipo em Colono, de Sófocles, encena o trágico destino (génos) de um personagem que, justamente por se guiar pela iluminância de uma razão abstrata, como o faz a modernidade --, se vê obrigado a descer à obscura senda do “não-ser”.Riferimenti bibliografici
Este é o poema “Hyperions Schiksalslied”, que acima traduzimos: “Ihr wandelt droben im Licht / Auf weichem Boden, selige Genien! / Glänzende G¶tterlüfte / Rühren euch leicht, / Wie die Finger der Künstlerin / Heilig Saiten. / Schicksallos, wie der schlafende / Säugling, atmen die Himmlischen; / Keusch bewahrt / In bescheidener Knospe, / Blühet ewig / Ihnen der Geist, / Und die seligen Augen / Blicken in stiller / Ewiger Klarheit. / Doch uns ist gegeben, / Auf keiner Stätte zu ruhn, / Es schwinden, es fallen / Die leidenden Menschen / Blindlings von einer / Stunde zur andern, / Wie Wasser von Klippe / Zu Klippe geworfen, / Jahr lang ins Ungewisse hinab”.
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Tradução de Helena Cortés e Arturo Leyte. Madrid: Alianza Editorial, 2000 [on line]. [ http://personales.ciudad.com.ar/M_Heidegger/carta_humanismo.htm.].
UNAMUNO, Miguel de. Del sentimiento trágico de la vida. Barcelona: Planeta - De Agostini, 1993, p. 7.
Idem, p. 9.
GADAMER, op. cit., p. 526.
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou Helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 89.
PÍNDARO (Pi.N., frag. 6.1-7). Fragmento da Sexta Neméia, intitulada ΑΛΚΙΜΙΔΑΙ ΑΙΓΙÎΗΤΗΙ ΠΑΙΔΙ ΠΑΛΑΙΣΤΗΙ (“Para Alcimida menino egineta pugilista”). A ode foi composta por ocasião da vitória do garoto Alcimida nos Jogos Nemeus, modalidade de pugilismo para meninos. Alcimida, nascido em Egina, uma das ilhas mais próximas de Atenas, junto com Salamina --, pertencia à importante família dos Bassidas, considerada uma das mais antigas. Referências ao nome de seu treinador, o famoso Milésias, leva os estudiosos a considerarem a ode escrita por volta de 460 a.C. A ode inteira ressalta as vitórias e as derrotas da família. Daí, em sua primeira estrofe, Píndaro fazer alusão à diferença entre os mortais e os imortais, embora ambos tenham uma origem comum. Este é o texto original do fragmento citado:
á¼Î½ ἀνδÏῶν, ἓν θεῶν γένος· á¼Îº μιᾶς δὲ πνέομεν ματÏὸς ἀμφότεÏοι· διείÏ- γει δὲ πᾶσα κεκÏιμένα δύναμις, ὡς τὸ μὲν οá½Î´á½³Î½, ὠδὲ χάλκεος ἀσφαλὲς αἰὲν ἕδος μένει οá½Ïανός.
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. Tradução de J. Guinsbourg. São Paulo: Cia. da Letras, 1992, p. 64.
moira :“quinhão”, “fração”. Designa não somente parte de alguma coisa, como a de um teritório ou de um corpo de tropas, como também a parte que cabe a cada um na distribuição da Sorte, a parte justa consoante o merecimento, ou seja, aquilo que se recebe de acordo com os atos praticados, o que difere da noção de “destino”, vazada de determinismo. A palavra é oriunda de Moira, deusa da desgraça e da morte. No texto, esta e as demais palavras gregas serão transliteradas para caracteres latinos.
SÓFOCLES. A trilogia tebana. Tradução de Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, p. 97.
hýbris: “desmedida”, “orgulho”, “impetuosidade”, “fogosidade”; pode significar também ultraje e até mesmo a violação de mulher ou criança.
DASTUR, Françoise. “H¶lderlin, Tragédia e Modernidade”. In H¶lderlin, Reflexões. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 196.
áte: “culpa”, “castigo”, “falta”, mas também “crime”, “mentira”, “ruína”, “desgraça”. Provém o termo da deusa do mal e da vingança, Áte.
Nome composto pelos termos oidao (inchaço) e pous (pés).
“Conhece-te a ti mesmo”, lema e meta última da filosofia socrática.
Comentando a personagem de Édipo, sustenta Schelling: “Muitas vezes se perguntou como a razão grega podia suportar as contradições de sua tragédia. Um mortal, destinado pela fatalidade a ser um criminoso, lutando contra a fatalidade e no entanto terrivelmente castigado pelo crime que foi obra do destino! O fundamento dessa contradição, aquilo que a tornava suportável, encontrava-se em um nível mais profundo do que onde a procuraram, encontrava-se no conflito da liberdade humana com o poder do mundo objetivo, em que o mortal, sendo aquele poder um poder superior -- um fatum --, tinha necessariamente que sucumbir, e, no entanto, por não ter sucumbido sem luta, precisava ser punido por sua própria derrota. O fato de o criminoso ser punido, apesar de ter tão-somente sucumbido ao poder superior do destino, era um reconhecimento da liberdade humana, uma honra concedida à liberdade. A tragédia grega honrava a liberdade humana ao fazer seu herói lutar contra o poder superior do destino: para não ultrapassar os limites da arte, tinha de fazê-lo sucumbir, mas, para também reparar essa humilhação da liberdade humana imposta pela arte, tinha de fazê-lo expiar -- mesmo que através do crime perpetrado pelo destino... Foi grande pensamento suportar voluntariamente mesmo a punição por um crime inevitável, a fim de, pela perda da própria liberdade, provar justamente essa liberdade e perecer com uma declaração de vontade livre”. (F.W.J. Schelling, Briefe über Dogmatismus und Kritizismus [Cartas sobre dogmatismo e criticismo], apud SZONDI, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Tradução de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 29.
KITTO, H. D. F. A Tragédia Grega. Col. Stadium. Tradução de José Manuel Coutinho e Castro. Coimbra: Armênio Amado - Editor, 1972, p. 255-256.
HERÁCLITO DE ÉFESO. (DIELS, Herman. Fragmento nº 88) in Os pensadores originários. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio Wrublewski. Petrópolis: Vozes, 1991.p. 83.
As Fúrias ou Erínies (Tisífone, Megera e Alecto), cujo nome se evitava pronunciar, eram por antífrase também chamadas de Eumênides (benévolas).
DASTUR, Françoise. Op. cit., p. 195.
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