Funk é cultura?: arte, racismo e nação na criminalização de um ritmo musical

Autores

  • Mylene Mizrahi

Palavras-chave:

gosto, estética, funk, racismos cotidianos, e projeto de nação

Resumo

Neste artigo busco complexificar a discussão em torno da perseguição histórica ao funk, como música e como movimento cultural, por meio de uma reflexão erigida na articulação entre arte, racismo e nação. Argumento que o funk pode ser tomado como objeto de arte complexo, que aglutina diferentes intencionalidades e por isso mesmo permite acessar as contradições que regem o Brasil como nação. O funk coloca face a face diferentes perspectivas sobre a cultura. De um lado, a cultura é entendida como movimento que define e deriva da própria vida coletiva e cotidiana. De outro lado, vemos uma perspectiva colonial no entendimento do que vem a ser a cultura. O funk nos ajuda também a reconceituar a noção de estética, a despeito de sua associação com a estética ocidental, que por tanto tempo ditou o que era o certo, o belo e o bom. Como se só existisse uma beleza possível, fundada sobre os cânones europeus da arte que, graças aos poderes colonizadores, tratou também de disseminar suas imagens, seus códigos e seus regimes de beleza. Uma noção de beleza branca, europeia, que ditou o padrão certo e específico de se pentear, vestir, ornamentar, enfeitar, bem como de decoro corporal, de se dançar e de se compor música. A tentativa de criminalização do funk é de fato uma tentativa de policiamento estético e de regulação do gosto alheio. Uma vontade de supressão de estéticas alternativas e desafiadoras do gosto e da moral hegemônicas.

Referências

ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

BOAS, Franz. As limitações do método comparativo da antropologia. In: CASTRO, Celso. Antropologia Cultural/Franz Boas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. p. 25-39.

__________. A capacidade humana conforme determinada pela raça. IN: STOCKING JR, George. Washington. A formação da antropologia americana. 1883-1911. Franz Boas. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. da UFRJ, 2010 [1911]. p. 267-293.

BOURDIEU, Pierre. Distinction: a social critique of the judgement of taste. London: Routledge and Kegan Paul, 1984.

BRANTL, Sabine. Haus der Kunst, Munich: a locality and its history in National Socialism. Alliera Verlag/Haus der Kunst: Munich, 2017.

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac e Naify, 2009.

CARRANO, Paulo. Os jovens e a cidade. Identidades e práticas culturais em Angra de tantos reis e rainhas. 1. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará/FAPERJ, 2002.

DAUSTER, Tania. “Uma revolução silenciosa: notas sobre o ingresso de setores de baixa renda na universidade”. Avá, Revista de Antropologia, 6:0-19, 2005.

DAYRELL, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, v. 28, n. 1, p. 117-136, 2002.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 46ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2002.

GELL, Alfred. Arte e agência. São Paulo: UBU, 2018.

GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural da Amefricanidade. IN: Hollanda, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019. p. 341-352

HERSCHMANN, Micael. As imagens das galeras funk na imprensa. In: PEREIRA, Carlos Alberto Messeder et al. Linguagens da violência. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

INGOLD, Tim. 1994. Aesthetics is a cross-cultural category. Key Debates in Anthropology. London: Routledge. p. 249-293.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. Antropologia estrutural 2. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1993. p. 328-366.

MIZRAHI, Mylene. A estética funk carioca: criação e conectividade em Mr. Catra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014.

__________. A institucionalização do funk carioca e a invenção criativa da cultura. Revista Antíteses, v. 8, p. 855-864, 2015.

__________. A música como crítica social: lógica dual e riso conectivo no funk carioca. Revista Anthropológicas, v. 27, p. 64-96, 2016a.

__________. Produzindo estilo negociando sentidos: arte, mercado e criatividade junto ao funk carioca. Antropolítica, UFF, v. 40, p. 252-273, 2016b.

__________. Figurino funk: roupa, corpo e dança em um baile carioca. Rio de Janeiro: 7Letras, 2019a.

__________. As políticas dos cabelos negros, entre mulheres: estética, relacionalidade e dissidência no Rio de Janeiro. Mana, v. 25, p. 457-488, 2019b.

MONDZAIN, Marie-José. A imagem pode matar? Lisboa: Nova Vega/Limitada, 2009.

MUNANGA, Kabengele. Da África ao Brasil. Entrevista com o Prof. Kabengele Munanga concedida a Pedro Jaime & Ari Lima. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 56 n. 1, p. 507-551, 2013.

__________. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

RANCIÈRE, Jaques. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2005.

SAPIR, Edward. Cultura ‘autêntica’ e ‘espúria’. IN: PIERSON, Donald. Estudos de organização social. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1949.

Downloads

Publicado

2021-08-09