Chamada para Dossiê Temático - Emaranhados: semiótica contra o geontopoder / Special Issue Entangled: Semiotics against Geontopower

2024-06-14

Chamada para Dossiê Temático - Emaranhados: semiótica contra o geontopoder

Organizadores

Ana Luiza Krüger Dias[1] (UFG)

Gleiton Matheus Bonfante[2] (UFF/FAPERJ)

Joana Plaza Pinto[3] (UFG/CNPq)

Suzane de Alencar Vieira[4] (UFG)

A relação entre o modelo moderno-colonial de produção do conhecimento e seu papel nos processos de violência contra formas de pensar o mundo que não se reduzem à universalidade racional masculina, branca e eurocentrada segue impregnando nossas formas de conceber a distinção entre formas de Vida e Não Vida. Diante disso, é urgente estabelecer uma crítica contundente à cumplicidade da linguagem e das ciências na criação, justificação e invisibilização dessas violências, bem como seu papel na governança da diferença por meio da produção de semioses responsáveis pela distinção entre corpos, objetos e territórios, e pela distribuição desigual dos efeitos de poder entre eles.

Para tanto, o trabalho de Elizabeth Povinelli (2011, 2013, 2016, 2021, 2023b), que esteve na Universidade Federal de Goiás em 2024 para a realização de um workshop junto aos programas de pós-graduação em Letras e Linguística e Antropologia Social[1], torna-se força inspiradora. Com as questões provocadas pelo engajamento com o livro Geontologias: um réquiem para o liberalismo tardio (Povinelli, 2023b) em horizonte de reflexão, o workshop desenvolveu o tema Semiotics after geontopower, em que Povinelli discutiu como a semiótica poderia se erigir contra o geontopoder.

O conceito de geontopoder dialoga com o conceito de biopoder de Michel Foucault e seus debatedores críticos, como Achille Mbembe (2018) e Giorgio Agamben (2002), complexificando a governança da vida e da morte ao instituir sua dependência filosófica de outra diferenciação governada: aquela entre a vida e não-vida, que tem operado de forma explícita nos colonialismos como roteiro ético para o extrativismo. Geontopoder é um poder de divisão classificatória da existência, que se faz sensível na contemporaneidade como estratégia filosófica de despossessão colonial. O geontopoder é, portanto, uma analítica que empresta energia ao liberalismo tardio, e como tal, mecanismo de vida e morte que deve ser contradito, denunciado, combatido. Como ideologia colonial, o geontopoder toca a produção de conhecimentos e sentidos, nos provocando a pensar alternativas epistêmicas que desafiem o enraizamento desse poder na semiótica.

Durante suas conferências, Elizabeth Povinelli provocou a audiência: “Será que precisamos de uma semiótica depois do geontopoder?” (Povinelli, 2024, grifo marca a entonação da voz da autora). Restará algo com sentido depois da realização completa do geontopoder e a exaustão da terra? A diferença de perspectiva, ilustrada pela mudança de proposição dramatizou a catástrofe ancestral como um jogo sem saída, ressaltando a necessidade de uma semiótica que se levante contra o geontopoder: “semiótica contra o geontopoder tem por objetivo render a semiótica como incoerente” (Povinelli, 2024). Semiótica contra o geontopoder é um deboche do desejo de transparência e de verdade. É um jogo que a autora tem jogado em sua extensa produção sobre intimidade, gênero, sexualidade. Para a autora, embora as existências sejam emaranhadas, a distribuição da persistência dessas existências é desigual. E os resíduos coloniais, resultados de uma realocação de toxicidade, sempre ficam na terra e nos corpos, criando arquivos que são verdadeiros lembretes das dinâmicas do poder colonial (Mombaça, 2021; Silva, 2019; 2022).

 Considerando que Povinelli defende que a cunhagem e o emprego de conceitos possibilitam a canalização de nossa energia para formações que queremos ver florescer ou extinguir, este dossiê busca expandir o diálogo entre a pensadora e autoras e autores acerca de: a) relacionalidades e comunicação humana e mais-que-humana (Povinelli, 2022); b) catástrofes presentes e ancestrais; c) colonialismo em curso e seus processos de extração (Mombaça, 2020) e violência contra populações dissidentes em suas matrizes de raça, gênero e sexualidade; d) possibilidades de ser de outra maneira (Povinelli, 2023a): resistência e reexistência contra o geontopoder. Trata-se de um convite a trabalhos que se debruçam sobre os conceitos da pensadora e reconheçam, por um lado, o emaranhamento entre diversas formas de existência no planeta e, por outro, os processos históricos que se articulam a discursos, afetos e táticas que insistem em criar e manter separações.

Embora proponhamos o workshop como nó temático para essa chamada, ela não se destina apenas às pessoas presentes nele. O convite se estende a toda a comunidade científica interessada em reverberar ou fazer ressoar em diferentes contextos de pesquisa os efeitos éticos, políticos e epistêmicos da obra de Povinelli. Ele se direciona a pesquisadoras e pesquisadores que se debrucem sobre o trabalho interdisciplinar de da pesquisadora de gênero, antropóloga, filósofa, artista e cineasta. Serão aceitos trabalhos originais em formatos de artigo, resenha, ensaio, tradução e relatos etnográficos, em qualquer área do conhecimento.

Embora não sejam limitantes, seguem alguns possíveis itinerários textuais das contribuições:

  • Feminismos depois do/contra o geontopoder
  • Comunidades tradicionais: experiências do geontopoder no Brasil e América Latina
  • Catástrofes presentes e ancestrais
  • Geontopoder e soberania tóxica
  • Discurso, poder liberal e capitalismo extrativista
  • Tempo social, espaço e subjetividade no colonialismo em curso
  • Relações e comunicações humanas e mais-que-humanas
  • Currículo e práticas educativas contra o geontopoder
  • Linguagem e gênero no/contra o geontopoder
  • Sexualidade e vivências queer nos colonialismos em curso
  • Analíticas indígenas e negras da existência
  • Racismo ambiental e geontopoder
  • Práticas e vivências antirracistas nos colonialismos em curso
  • Clima, eras e discursos no/contra o geontopoder
  • Semiótica peirceana e a produção de sentidos no geontopoder
  • Implicações éticas nos/dos colonialismos em curso

 

Envio de textos completos: até 30/09/2024

Avaliação de textos completos por pareceristas duplo cego: 03/10/2024 a 03/11/2024

Envio de textos finais aceitos: 12/2024

Publicação: 12/2024

 

Special Issue Entangled: Semiotics against Geontopower

Proponents:

Ana Luiza Krüger Dias (UFG)

Gleiton Matheus Bonfante (UFF/FAPERJ)

Joana Plaza Pinto (UFG/CNPq)

Suzane Alencar (UFG)

The relation between the modern-colonial model of knowledge and its central role in the violence against ways of conceiving the world that are irreducible to the male, white, and Eurocentric universals keeps permeating our ways of making distinctions between forms Life and Non-Life. That is why it becomes increasingly urgent to produce a poignant critique of the complicity of language in the creation, justification and invisibilization of those violences, as well as its role in the governance of difference, through the production of semiosis responsible for the distinction among bodies, objects and territories, and the unequal distribution of power among them.

Therefore, the work of Elizabeth Povinelli (2011, 2013, 2016, 2021, 2023b) who came to the Federal University of Goiás in 2024 to hold a workshop with the postgraduate programs in Language Studies and Social Anthropology[1],becomes an inspiring force. With the questions raised by the engagement with the book Geontologies: a requiem for late liberalism (Povinelli, 2023b) on the horizon for reflection, the workshop developed the theme “Semiotics after Geontopower”, in which Povinelli discussed how semiotics could rise up against geontopower.

The concept of geontopower poses a critical dialogue with the concept of biopower by Michel Foucault and his critical readers (such as Achille Mbembe and Giorgio Agamben), complexifying the governance of life and death by establishing its philosophical dependence on another governed differentiation: the one between life and non-life, a distinction that has operated explicitly in colonialism as an ethical roadmap for extractivism. Geontopower is the power to classify the division of existence, which becomes visible in contemporary times as a philosophical strategy of colonial dispossession. Geontopower is, therefore, an analytic that lends energy to late liberalism, and as such, a mechanism of life and death that we must contradict, denounce, and oppose. As a colonial ideology, geontopower touches the production of knowledge and meanings, provoking us to think about epistemic alternatives that challenge the roots of this power in semiotics.

During her conferences, Elizabeth Povinelli provoked the audience: “Do we really need a semiotics after geontopower?” (Povinelli, 2024, emphasis marking the intonation of her voice). Will there be anything meaningful left after the fulfillment of geontopower and its exhaustion of the earth? The difference in perspective, illustrated by a change of proposition, dramatized the ancestral catastrophe as a dead-end game, highlighting the need for a semiotics that rises up against geontopower: “A semiotics against geontopower aims to render semiotics as incoherent” (Povinelli, 2024). Semiotics against geontopower is a mockery of the desire for transparency and truth. It is a game that the author has played in her extensive production on intimacy, gender, sexuality. For her, although existences are entangled, the distribution of their persistence in the planet is unequal. And colonial residues, the results of a reallocation of toxicity, always remain on the land and in bodies, creating archives that are true reminders of the dynamics of colonial power (Mombaça, 2021; Silva, 2019; 2022).

Considering Povinelli’s argument that the coining and use of concepts make it possible to channel our energy into formations that we want to see flourish or extinguish, this dossier seeks to expand the dialogues between her and other authors about: a) human and more-than-human communication and relationalities (Povinelli, 2022); b) present and ancestral catastrophes; c) ongoing colonialism and its processes of extraction (Mombaça, 2020) and violence against dissident populations (and their racial, gendered, and sexual markings); d) possibilities of being otherwise (Povinelli, 2023a): resistance and re-existence against geontopower. This is an invitation for papers that focus on Povinelli’s work and concepts, recognizing the entanglement between different forms of existence on the planet and, at the same time, the historical processes linked to discourses, affects and tactics that insist on creating and maintaining separations among them.

Although we propose the workshop as the thematic node for this dossier, the call is not limited for its participants. The invitation extends to the entire scientific community interested in reverberating or resonating the ethical, political, and epistemic effects of Povinelli’s work in different research contexts. It is aimed at authors who focus on the interdisciplinary work of Elizabeth Povinelli as a gender researcher, anthropologist, philosopher, artist, and filmmaker. Original works will be accepted in the formats of articles, reviews, essays, translations, and ethnographic narratives, in any area of knowledge.

Although not limiting, the following themes are welcome:

  • Feminisms after/against geontopower
  • Traditional communities: experiences of geontopower in Brazil and Latin America
  • Present and ancestral catastrophes
  • Geontopower and toxic sovereignty
  • Discourse, liberal power and extractive capitalism
  • Social time, space, and subjectivity in the ongoing colonialisms
  • Human and more-than-human relationships and communications
  • Curriculum and educational practices against geontopower
  • Language and gender in/against geontopower
  • Sexuality and queer experiences in ongoing colonialisms
  • Black and indigenous analytics of existence
  • Environmental racism and geontopower
  • Anti-racist practices and experiences in ongoing colonialisms
  • Climate, eras, and speeches in/against geontopower
  • Peircean semiotics and the production of meanings in geontopower
  • Ethical implications of/in ongoing colonialisms

 

Schedule

Full text submission: until September 30, 2024

Double-blinded peer review of full texts: from October 03 to November 03, 2024

Submission of accepted final texts: until December, 2024

Publication: December, 2024

 

Referências/References

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Gallimard, 1988.

FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. Curso no Collège de France (1977-1978). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

MBEMBE, Achile. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Trad. Renata Santini São Paulo: n-1 edições, 2018.

MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

MOMBAÇA, Jota. A plantação cognitiva. In: MASP AfterAll: Arte e Descolonização. São Paulo: MASP, 2020.

POVINELLI, Elizabeth A. A vontade de ser de outra maneira/ O esforço de persistir. Trad. Joana Plaza Pinto. Sociedade e Cultura, vol. 26, 2023a. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fcs/article/view/76746.

POVINELLI, Elizabeth A. As quatro figuras da sexualidade nos colonialismos de povoamento. Trad. Mariza Corrêa. Cadernos Pagu, no. 41, jul. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/cLhxVWqmScyFxd8NqjmMY9c/?lang=pt#.

POVINELLI, Elizabeth A. Pragmáticas íntimas: linguagem, subjetividade e gênero. Trad. Joana Plaza Pinto. Revista Estudos Feministas, vol. 24, no. 1, janeiro 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/ZPvfkMdqJ94z3tCGCZg5jXm/?lang=pt.

POVINELLI, Elizabeth A. Sobre mediação semiótica: as condições corporais da comunicação humana e mais-que-humana: Uma entrevista com Elizabeth Povinelli. Trad. Joana Plaza Pinto. Signótica, vol. 34, 2022. Disponível em: https://revistas.ufg.br/sig/article/view/74018.

POVINELLI, Elizabeth A. Between Gaia and Ground: Four axioms of existence and the ancestral catastrophe of late liberalism. Durham: Duke University Press, 2021.

POVINELLI, Elizabeth A. Economies of abandonment: social belonging and endurance in late liberalism. Durham: Duke University Press, 2011.

POVINELLI, Elizabeth A. Geontologias: Um réquiem para o liberalismo tardio. Trad. Mariana Ruggieri. São Paulo: Ubu Editora, 2023b.

SILVA, Denise Ferreira. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.

SILVA, Denise Ferreira. Homo modernus: Para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobogó, 2022.

[1] Full description of the workshop can be found at: https://perspectivas.letras.ufg.br/n/180784-workshop-discute-a-relacao-entre-linguagem-desigualdades-raciais-e-catastrofes-climaticas.

Dados dos Organizadores/ Proponents' Information

[1] Doutora em Letras e Linguística. Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1753253730197966.

[2] Doutor em Interdisciplinar Linguística Aplicada. Pesquisador visitante na Universidade Federal Fluminense com financiamento FAPERJ nota 10. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7390510558759613

[3] Doutora em Linguística. Professora Titular da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. Bolsista em Produtividade em Pesquisa do CNPq. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8100370294969259.

[4] Doutora em Antropologia Social, Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5311157252579292.