AS MULHERES A FRENTE E AO CENTRO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS
Por Janaína Dutra Silvestre Mendes - Doutora em Radioproteção e Dosimetria (IRD-CNEN), Física Médica da seção de Medicina Nuclear do Instituto Nacional de Câncer (INCA-MS)
A pandemia da COVID-19 está afetando todas as categorias da nossa sociedade: homens e mulheres, pobres e ricos. Mas, certamente, as mais afetadas pelas suas consequências (sejam econômicas, sanitárias ou sociais) têm um endereço, classe, gênero e cor bem determinados. São as mulheres, especialmente as negras, pobres e periféricas.
Simone de Beauvoir diz “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados” (BEAUVOIR, 1949). Concordando com essa afirmação, este texto pretende propor reflexões sobre, sendo as mulheres as mais afetadas em situações de crise, em uma pandemia não seria diferente. O vírus pode até ser “democrático”, como tem se afirmado na mídia, mas suas consequências não o são.
Compreende-se aqui que o termo ‘mulher’ referencia os corpos biopoliticamente assinalados e/ou autoidentificados como mulher, usando apenas a noção de identidade como estratégia de recorte para garantia de direitos e pela facilidade cognitiva inerente à terminologia. Entretanto, tendo em vista que “nomear é ao mesmo tempo estabelecer uma barreira e também inculcar repetidamente a norma” (BUTLER; AGUIAR, 2015, p. 8), frisa-se que tal emprego não pretende pressupor identidades estáveis e que a necessidade de se problematizar a naturalização do significado do termo é devidamente reconhecida. Entende-se também que essa nomenclatura ampla poderia justificar o que se tenta combater, uma vez que cria a noção de um sujeito-mulher (PRECIADO, 2014), uma mulher universal que teria características comuns intragrupo, transculturais e trans-históricas. Porém, tentarei fugir da não-representação ou da representação insatisfatória apontando os diferentes atravessamentos que sofremos tais como classe, cor e/ou idade.
Uma abordagem feminista interseccional sobre a pandemia em curso, e as respostas políticas a ela, é necessária pois a COVID-19 afeta distintamente grupos sociais. Tal abordagem realça como medidas particulares, que são benéficas para certos grupos, podem reforçar situações pré-existentes de injustiça, notadamente no caso de sobreposição e de marginalizações que se reforçam mutuamente produzidas por estruturas de poder globais e locais. Além disso, ela oferece uma ferramenta adequada para descentralizar e ampliar a discussão atual, chamando a atenção para perspectivas negligenciadas e marginalizadas e para a complexidade das questões em jogo no contexto das desigualdades sistêmicas (HINZ; ZUBEK, 2020).
Abordarei este tema, dividindo-o em seis campos de análise: as mulheres enquanto trabalhadoras da saúde, no trabalho informal, no trabalho doméstico, violência doméstica, na ciência e mulheres chefes de estado diante da pandemia.
Trabalhadoras da saúde
O novo coronavírus impacta todas as pessoas, mas por conta do machismo estrutural que assola as sociedades modernas, a maioria das decisões tomadas é de homens e as vozes que as reproduzem e aplicam, são geralmente masculinas. No entanto, a maioria dos e das profissionais de saúde da chamada linha de frente de combate a COVID-19 é de mulheres.
O relatório da ONU Mulheres chamado "Mulheres no centro da luta contra a crise COVID-19" (ONU MULHERES, 2020b) traz números esclarecedores sobre o papel da mulher diante desta pandemia. Segundo o estudo, 70% dos trabalhadores de saúde em todo o mundo são mulheres. No Brasil, são 85% de mulheres trabalhando no corpo de enfermagem, 45,6% dos médicos e 85% dos cuidadores de idosos são mulheres, fato que as expõe a um maior risco de infecção pelo vírus.
Em todo o mundo, os profissionais de saúde estão lidando com condições extremas de trabalho, expondo suas vidas para prestar cuidados a um número impossível de pacientes. Apesar das mulheres ocuparem uma estimativa de dois terços da força de trabalho da saúde em todo o mundo, são os homens que ainda ocupam a maioria dos cargos seniores ou de liderança no setor de saúde. E a despeito de seu papel fundamental no combate à pandemia, com grande risco pessoal de infecção, as profissionais de saúde femininas recebem, em média, 28% menos do que seus pares masculinos (HINZ; ZUBEK, 2020).
O acesso aos cuidados de saúde varia de acordo com a nacionalidade, localização geográfica e classe. Em muitos países, o atendimento adequado à saúde é um privilégio de muito poucos. Nos Estados Unidos, as desigualdades raciais podem dificultar o acesso aos cuidados de saúde, pois, entre outros fatores, os afro-americanos são mais propensos a não terem seguro de saúde e viverem em áreas clinicamente mal servidas (RO, 2020). Além disso, no Brasil, apenas 22,5% da população tem seguro de saúde privado (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR, 2020), já que para certas faixas etárias o plano de saúde custa mais de um salário mínimo por mês. A grande maioria da população está coberta pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que conta apenas com um número limitado de unidades de terapia intensiva e carece de profissionais de saúde, especialmente nas áreas rurais.
Enquanto o acesso à saúde sexual e reprodutiva já era precário em circunstâncias normais em numerosos países, a pandemia da COVID-19 pode agravar seriamente esta situação já de risco de vida. Embora evitar uma gestação tenha se tornado sinônimo de proteger a saúde das mulheres durante a pandemia (por existirem complicações específicas da gravidez que podem complicar o curso da COVID-19), as brasileiras vêm enfrentando um obstáculo: a dificuldade de acesso a métodos e procedimentos contraceptivos no SUS durante a crise. Cirurgias como laqueaduras e vasectomias foram suspensas, contrariando Organização Mundial da Saúde (OMS) que recomenda que o direito à contracepção deve ser respeitado independentemente da pandemia e já há relatos de dificuldades de encontrar preservativos ou pílulas anticoncepcionais em postos de saúde por todo país.
É notório que o Brasil está passando por um colapso da saúde pública e algumas escolhas precisam ser feitas privilegiando o atendimento aos contaminados pelo novo vírus. Ainda assim, o que se questiona aqui é o completo esvaziamento de qualquer política de saúde sexual e reprodutiva com a total falta de estratégias para atender a essas questões.
Mulheres no trabalho informal
A crise de saúde está causando uma grande desaceleração econômica global com implicações substanciais para a igualdade de gênero. Tem sido observado que a perda de empregos e negócios relacionada a medidas de distanciamento social tem um grande impacto em setores com alta participação feminina, como turismo, serviços de alimentação e bebidas e varejo (ONU MULHERES, 2020b). Com rendimentos mais baixos e menos riqueza do que os homens, as mulheres parecem estar especialmente em risco de pobreza provocada pela crise.
As mulheres geralmente têm maiores responsabilidades de cuidado em casa, cuidando de crianças e de familiares deficientes ou idosos, e realizam a maior parte das tarefas domésticas. No Brasil pré-pandemia, enquanto mulheres realizavam 23,8 horas semanais de trabalho doméstico não remunerado, os homens desempenhavam apenas 12 horas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019a). E essa carga de trabalho aumentou com o fechamento de escolas em março de 2020.
Além disso, as mulheres brasileiras (assim como em muitos países do Sul Global) são empregadas em atividades informais e mal remuneradas. Segundo documento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) chamado Síntese de Indicadores Sociais de 2019, 41,3% da população ocupada está no trabalho informal. Aplicando um recorte de gênero, o trabalho informal representa 42% do emprego feminino, enquanto simboliza 20% do emprego masculino. Dentre as trabalhadoras informais, 47,8% são de mulheres negras, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - Contínua (Pnad Contínua) (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019b).
O Brasil já vinha em um processo de precarização do trabalho, chamado por alguns de “uberização”, que consiste em um trabalho sob demanda, com exploração da mão de obra por parte de poucas e grandes empresas que concentram o mercado mundial dos aplicativos e plataformas digitais, que tem como principal característica, a ausência de qualquer tipo de responsabilidade ou obrigação em relação aos “parceiros cadastrados”, como são chamados os prestadores de serviços (OLIVEIRA, 2019). Sendo assim, o trabalho se faz presente em todo e qualquer momento, bastando ativar o aplicativo, dando lugar a uma atividade interligada a própria vida do indivíduo, que de maneira contraditória, cessa qualquer chance de liberdade, num verdadeiro círculo carcerário de busca constante pela subsistência.
Vale lembrar que (guardadas as devidas ressalvas históricas e culturais), para as mulheres, antes do Uber já existia a Avon (empresa de vendas diretas de cosméticos que está no Brasil desde 1958) que conta com uma suposta ‘progressão de carreira’ com os cargos de revendedora e executiva de vendas sem manter nenhum vínculo empregatício com essas mulheres. Mostrando como o trabalho informal, que sustenta inúmeras famílias lideradas por mulheres[1], já existem para este gênero como algo da ordem do natural disfarçado de ‘complementação de renda’.
Mulheres e o trabalho doméstico não remunerado
O trabalho invisível do cuidado é o principal subsídio à economia. A despeito de sua desvalorização perene ao longo dos tempos, sem ele, o mundo como conhecemos não seria viável (FEDERICI, 2018). Se esse trabalho, culturalmente é atribuído as mulheres, em situação de isolamento social, essa carga é aumentada. São elas que cuidam de pessoas não hospitalizadas, mas que precisa de assistência como crianças e idosos, por exemplo.
Considerando as mães com filhos em idade escolar, o trabalho ainda é maior. No contexto atual da divisão sexual do trabalho, serão elas que sacrificarão mais horas e energia diárias na atenção a estas crianças, especialmente neste momento em que escolas estão fechadas em, pelo menos, 85 países (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2020). E a perspectiva é de agravamento crescente enquanto durar a pandemia, uma vez que a principal medida de prevenção contra o novo coronavírus é o distanciamento social que implica a permanência constante (ou ao menos aumentada) dos membros da família em casa.
Dentro desse grupo, as mulheres que são empregadas domésticas além de cuidarem das casas onde trabalham, também cuidam dos seus próprios lares, que estão com demanda de manutenção doméstica aumentada. Com as mulheres ocupadas com o “invisível”, elas ficam privadas de tempo e recursos necessários para conquistar sua autonomia financeira, permanecendo presa em um ciclo de exploração.
Violência doméstica
Segundo o documento “Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: Dimensões de Gênero na resposta” (ONU MULHERES, 2020a), publicado pela ONU Mulheres,
enfrentar uma quarentena é um desafio para todos, mas para mulheres em situação de vulnerabilidade pode ser trágico. No Brasil, onde a população feminina sofre violência a cada quatro minutos e em que 43% dos casos acontecem dentro de casa, essa preocupação é real.
A proposta mais segura para contenção do vírus, segundo a ciência até o momento, é distanciamento social e, em alguns casos, uma restrição mais rígida com bloqueio total de comércio e serviços chamado de lockdown. Ficar em casa, porém, não é uma opção segura para aquelas que vivem com parceiros ou parentes abusivos (CAMPOS; OLIVEIRA, 2019).
O relatório elaborado pela organização Think Olga, Mulheres em tempos de pandemia: os agravantes de desigualdades, os catalisadores de mudanças, descreve a violência contra a mulher como “qualquer ato de violência que tenham por base o gênero, seja uma agressão de natureza física, sexual ou psicológica” (THINK OLGA, 2020).
No Brasil pré-pandemia, os índices de violência doméstica já eram bastante elevados: de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, a cada dois minutos uma mulher realiza registro policial por violência doméstica no país, o que totalizou, em 2018, 263.067 casos de lesão corporal dolosa (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019). De acordo com o mesmo documento, em 2018, foram contabilizados 66.041 registros de estupros, ou seja, uma média de 180 casos por dia, dos quais 81,8% praticados contra mulheres ou meninas.
Estima-se que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, o número de casos durante o período de confinamento tenha aumentado em 50% (MARIANI; YUKARI; AMÂNCIO, 2020), dado que pode ser ainda maior, eis que o isolamento social dificulta sobremaneira os registros de ocorrências nas delegacias de polícia. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Decode Pulse identificou um acréscimo de 431% dos relatos de briga de casais no Twitter no período de isolamento. Entre 52.513 menções a relatos de brigas conjugais em tweets, 5.583 indicavam ocorrência de violência contra mulheres (G1 PORTAL DE NOTÍCIAS, 2020). Também foi registrado um aumento da violência contra mulheres trans, nos primeiros quatro meses de 2020, o número de mortes da população trans cresceu 49% (KER, 2020).
Infelizmente, este é um fenômeno mundial. Em abril de 2020, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2020) publicou uma manifestação com o objetivo de lembrar aos Estados suas obrigações internacionais e a jurisprudência daquela corte, na qual destacou:
Tendo em vista as medidas de isolamento social que podem levar a um aumento exponencial da violência contra mulheres e meninas em suas casas, é necessário enfatizar o dever do Estado de devida diligência estrita com respeito ao direito das mulheres a viverem uma vida livre de violência e, portanto, todas as ações necessárias devem ser tomadas para prevenir casos de violência de gênero e sexual; ter mecanismos seguros de denúncia direta e imediata; e reforçar a atenção às vítimas.
Em demasiados casos, o Estado não é o protetor, mas o perpetrador da violência. Isto é especialmente verdade em comunidades racializadas e bairros de baixa renda. No Brasil, os números de assassinatos policiais são alarmantes, ultrapassando os de muitos conflitos armados no mundo (G1, 2020). Enquanto escrevo este ensaio, recebo a notícia que doze pessoas foram mortas no Complexo do Alemão durante uma operação integrada das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro (PEIXOTO, 2020). No contexto da COVID-19, as medidas de confinamento e seu policiamento já potencializaram a ocorrência de perfil racial e má conduta policial em alguns países, esperando-se que os incidentes aumentem à medida que a doença avança.
Mulheres cientistas
Quando a COVID-19 começou a se tornar uma pandemia e as ordens de permanência em casa foram emitidas amplamente, não demoraram a surgir memes apontando a extrema produtividade de Sir Isaac Newton durante a Grande Peste de Londres de 1665. Estes memes foram quase que imediatamente rebatidos por outros com a óbvia observação para qualquer mãe: Isaac Newton não tinha nenhuma responsabilidade de cuidado exceto o seu próprio.
Acima, neste ensaio, já foi comentado sobre como a carga do trabalho doméstico é muito maior para mulheres que para homens, e as cientistas estão incluídas nesta realidade. Virginia Woolf dizia que para uma mulher escrever ela precisaria de uma fonte de sustento financeiro e um teto todo seu. Dizia ainda que esta mulher tinha que se afastar da sala de estar e encontrar um quarto (que pudesse ser trancado) com uma mesa e uma janela para o mundo (WOOLF et al., 2014). Todas essas alegorias ilustram a necessidade de um lugar (físico e mental) de tranquilidade e concentração para que o trabalho intelectual possa ser feito.
Tentemos agora trazer esta imagem para um apartamento de dois cômodos com duas crianças confinadas há semanas, tarefas escolares a serem cumpridas e todas as necessidades de higiene, alimentação e afeto. Parecem realidades incompatíveis, não? E são! Como em todos os casos anteriores, as restrições da COVID-19 estão apenas exacerbando as desigualdades de gênero que já existiam.
Diversos editores e editoras de revistas científicas vêm se manifestando com preocupação diante da diminuição de envio de artigos científicos de mulheres em detrimento ao aumento daqueles enviados por autores homens (TAMARA P TROST, 2020; FAZACKERLEY, 2020; FLAHERTY, 2020). No Brasil, a publicação de artigos em revistas acadêmicas é essencial para lograr financiamentos de pesquisas e é uma medida crítica de sucesso na plataforma Sucupira[2] (que é um instrumento de monitoramento e avaliação da produção acadêmico-científica e tecnológica do país). Além disso, após o término da crise, pais e não pais competirão por recursos, promoções e posições, e a seleção é baseada majoritariamente comparando o número de publicações em revistas de alto fator de impacto.
Soma-se ao cuidado com crianças, aquele dirigido aos estudantes que também enfrentam a pandemia. Um estudo realizado na Universidade de Indiana em Bloomington (GUARINO; BORDEN, 2017), constatou que mulheres "cuidam da família acadêmica" mais do que os homens, assumindo mais funções de assistência. O artigo alerta que isso é problemático para as mulheres porque a assistência não é recompensada da maneira que a pesquisa é, mesmo sendo essencial.
Lideranças femininas diante da pandemia
A crise da COVID-19 revela como diferentes formas de discriminação se entrelaçam e devem ser abordadas coletivamente. Sendo assim, o momento presente é também uma oportunidade para repensar radicalmente as abordagens políticas adotadas e introduzir formas novas e descentralizadas de organização. As mulheres, e particularmente as mulheres de cor, migrantes, refugiadas e aquelas empregadas em ambientes informais, estão entre os grupos mais afetados pela pandemia da COVID-19, mas também estão liderando o caminho para encontrar soluções sustentáveis, resistindo à injustiça, reforçando a solidariedade e, assim, tornando suas comunidades mais resistentes a esta crise e a outras que virão. Ativistas feministas, movimentos de base e sindicatos em todo o mundo estão trabalhando incansavelmente para provocar mudanças, apesar das restrições aos movimentos, da escassez de fundos e das incertezas sobre o futuro.
As respostas dos países à crise do coronavírus têm sido variadas e de resultados heterogêneos, mas as de maior sucesso têm em comum governos chefiados por mulheres. A Nova Zelândia, liderada pela primeira-ministra Jacinda Ardern, está entre algumas das nações mais eficientes no controle da pandemia, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, assim como Islândia, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Noruega e Taiwan. ‘Coincidentemente’, estes sete países são governados por mulheres e seis deles ocupam as primeiras posições entre os 144 do ranking do Relatório global sobre igualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial (FEM). Tal fenômeno pode ser explicado pela intimidade que, infelizmente, as mulheres têm com a desigualdade. O que pode gerar uma capacidade de liderança também mais conectada com a vulnerabilidade, segundo cientista política e ativista feminista Manoela Miklos (BERTOLDO; MARTINS; FERRARI, 2020).
Devemos resistir a tirar conclusões sobre mulheres líderes de alguns indivíduos excepcionais agindo em circunstâncias excepcionais. Mas especialistas dizem que o sucesso das mulheres ainda pode oferecer lições valiosas sobre o que pode ajudar os países a superar não apenas esta crise, mas outras no futuro.
A história nos mostra que a imagem de um líder tem seguido o estereótipo de uma pessoa forte, agressiva, progressista e dominadora, características atribuídas ao gênero masculino e isso torna muito difícil para as mulheres prosperarem como líderes. Claro que já houve e há políticos que superam as expectativas de gênero, mas pode ser menos custoso politicamente para as mulheres fazê-lo porque elas não precisam violar as normas de gênero percebidas para adotar políticas cautelosas e defensivas, necessários em momentos de crise extrema. Esse estilo de liderança pode se tornar cada vez mais valioso. À medida que as consequências da mudança climática se agravarem, provavelmente haverá mais crises decorrentes de condições climáticas extremas e outros desastres naturais.
Diante deste cenário de crescente instabilidade, são as mulheres que carregam os custos físicos e emocionais mais duros. Por decorrência de uma herança colonial e racista que sustenta os pilares da nossa estrutura de economia e trabalho ainda hoje, é gritante a disparidade de raça, gênero e classe. Assim, a maioria das mulheres no nosso país, principalmente mulheres negras, enfrentam uma realidade de enorme vulnerabilidade. Desta forma, ajustes que ajudem a evitar a exacerbação de desigualdades duradouras são cruciais à medida que nos recuperamos desta crise.
Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil – 2010-2020). Disponível em: <https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais>. Acesso em: 14 maio. 2020.
BEAUVOIR, S. DE. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1949.
BERTOLDO, S.; MARTINS, F. B.; FERRARI, M. Eficientes contra o coronavírus, países governados por mulheres se destacam em políticas de igualdade de gêneroAzMina, 12 maio 2020. Disponível em: <https://azmina.com.br/reportagens/eficientes-contra-o-coronavirus-paises-governados-por-mulheres-se-destacam-em-politicas-de-igualdade-de-genero/>. Acesso em: 16 maio. 2020
BUTLER, J.; AGUIAR, R. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
CAMPOS, L. DE A.; OLIVEIRA, L. DE A. COVID-19: Uma perspectiva do olhar do olhar do feminino. METAXY: Revista Brasileira de Cultura e Políticas em Direitos Humanos, v. 2, n. 1, 2019.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. COVID-19 e direitos humanos: os problemas e desafios devem ser abordados a partir de uma perspectiva de direitos humanos e com respeito às obrigações internacionais. San Pedro: Corte interamericana de direitos humanos, 9 abr. 2020. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/tablas/alerta/comunicado/Declaracao_1_20_PORT.pdf>. Acesso em: 16 maio. 2020.
FAZACKERLEY, A. Women’s research plummets during lockdown - but articles from men increase. The Guardian, 12 maio 2020.
FEDERICI, S. O Calibã e a bruxa. 1a ed. São Paulo: Enfante, 2018.
FLAHERTY, C. No Room of One’s Own. Disponível em: <https://www.insidehighered.com/news/2020/04/21/early-journal-submission-data-suggest-covid-19-tanking-womens-research-productivity>. Acesso em: 16 maio. 2020.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019. São Paulo: Fórum brasileiro de segurança pública, 2019. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/03/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf>. Acesso em: 16 maio. 2020.
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[1] No Brasil, 32,1 milhões de famílias são chefiadas por mulheres (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019b).