Revista Mulemba, V. 17, N. 33, jul.-dez. 2025

2025-01-27

Este número da Revista Mulemba se propõe a refletir sobre escritoras que vivenciaram, por meio de suas obras ou pessoalmente, o período de domínio colonial nos países africanos de língua oficial portuguesa, destacando os processos culturais adjacentes à produção literária ou memorialística que efetivamente dão destaque a uma voz narrativa, a personagens ou a um eu lírico demarcadamente feminino que denuncia as agruras e as violências vividas pelas mulheres nesse sistema de opressão. Sabemos que as mulheres africanas foram quase sempre representadas de maneira estereotipada, mesmo durante o período de contestação às violências do colonialismo. Nesse sentido, pensamos ser interessante refletir sobre as imagens de mulher criadas para compor as ilustrações que aparecem em capas de antologias como Poesia Negra de expressão portuguesa (1953), Antologia Temática de Poesia Africana: na noite grávida de punhais (1975), que reiteram os significados políticos que fizeram da gestação e da maternidade alicerces da liberdade a ser conquistada com o fim do colonialismo. Nessas antologias e em muitas obras coletivas poucas mulheres figuram, devendo ser destacada a presença de Alda Lara, na revista angolana Mensagem (1951), a de Alda Espírito Santo e Noémia de Sousa, na antologia Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953) e a de Noémia de Sousa no Projeto Msaho (1952), de Moçambique. Ou seja, pensamos na ampla possibilidade de se investir sobre as propostas de criação “revolucionária” da figura da mulher-mãe, mulher-irmã, mulher-África, que estão expressas em várias ilustrações e em poemas de autoria feminina. Não podemos nos esquecer também de obras escritas por mulheres africanas que vivenciaram fases do período colonial, revelando, em suas obras, uma autorreflexão da condição feminina e a denúncia da violência de gênero, expondo-as em narrativas publicadas, por exemplo, por Lília Momplé e Paulinha Chiziane e em poemas de Maria Manuela Margarido e Alda Espírito Santo. Neste sentido, nossa proposta abarca não apenas a literatura, mas a vivência - tal como aquela experienciada por mulheres guerrilheiras - produzidas durante o período colonial. Acreditamos que repensar a produção literária de autoria feminina que reporta ao período que antecede à independência dos países africanos de língua oficial portuguesa é reescrever a história a partir de sujeitos que vivenciaram as artimanhas do poder e a dominação masculina, aliada à desigualdade racial e de gênero.