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Edição Atual

v. 15 n. 28 (2023): A construção de uma biblioteca africana: as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa
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Revista Mulemba 

EDITORIAL

 

Mulemba é uma publicação semestral, temática, que se encontra hospedada na página do Setor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da UFRJ. É, desde 1993, organizada pelos docentes de Literaturas Africanas, bolsistas, monitores e alunos de Graduação e Pós-Graduação em Letras Vernáculas..

Uma das principais metas da revista é promover o debate crítico e democrático, sendo, além disso, seu propósito a divulgação da cultura e das letras africanas. Mulemba se quer um espaço aberto, no qual os estudiosos da área – docentes, pesquisadores e alunos – possam expor artigos decorrentes de suas pesquisas. Cada edição de Mulemba  elegerá um tema a ser abordado pelo dossiê; contudo, haverá a possibilidade de serem publicados artigos de temática livre, entrevistas e resenhas

O nome da revista foi escolhido com muito cuidado. Venceu Mulemba, tendo em vista a significação e a simbologia que essa árvore teve e, ainda, tem para Angola. A Mulemba Waxa Ngola – mulemba da terra do Ngola, também denominada mulembeira ou ensadeira,  “Ficus Thonningii, Blume” – possui uma altura imponente e uma copa imensa, cuja sombra torna fresco e aprazível o local à sua volta. Era, sob as mulembeiras, sempre frondosas, que os sobas das tradicionais sanzalas angolanas faziam suas assembléias e discutiam, até que suas “makas” – isto é, seus conflitos – se resolvessem.

Considerada um pilar sagrado, a mulembeira costumava ficar no centro das aldeias e constituía um espaço democrático de debate, um lugar de estórias narradas pelos mais velhos.  À volta dessa árvore, se discutiam os problemas da comunidade, se adivinhavam presságios, se decidiam litígios, se estabeleciam contactos com o mundo dos ancestrais. Tinha, portanto, a mulemba um papel de destaque no contexto mítico-religioso angolano, uma vez que efetuava a ligação entre o mundo dos homens  e o dos espíritos.

Confirmando tais significações acerca dessa árvore sagrada e dando outros detalhes e informações, destacamos o seguinte verbete, retirado do glossário da tese da escritora e historiadora Ana Paula Tavares, de Angola:

Mulemba, Ficus Psicolopoga Welw. ex Warb, Ficus Sicomurus, Phyllantus stuhlmannii Pax, Ficus thoningii Bleim. Nos Dicionários de Kimbundu – Português, Mulêmba, pl. Milêmba, com o sinónimo de Incendeira. No Dicionário CokwePortuguês, existem várias entradas para o radical Lemba - «uma árvore frondosa de que se extrai o visco para apanhar pássaros (Ficus Welwitschii); Lemba - oração, prece, súplica e ainda Lemba – antepassado, maior, avô, ancião. Com a grafia mulemba mas o sinónimo de Ensandeira ocorre em Cadornega, Tomo I, p. 818 - «É a árvore chamada em Luanda e seu interior ensandeira. Esta árvore é chamada no Congo nsanda; desta palavra fizeram os portugueses no Congo a palavra ensandeira, a qual palavra transitou para Luanda e ali se continuou a usar». Para as regiões do antigo reino do Ndongo «a permanência e a união dos grupos de parentesco e a sua ligação com os antepassados múndòngò passaram a ser asseguradas pela árvore mulèmbà, que passou a ser plantada no centro de cada nova aglomeração», Cf. Virgílio Coelho, Em Busca de Kábàsá..., p.143. Carvalho, Ethnographia, p. 93, atribuição do título Capenda - cá-Mulemba, deveu-se à grande abundância de árvores Mulemba (Ficus elástica) na região. Sesinado Marques, companheiro de viagem de Henrique de Carvalho, no seu Os Climas e as Produções de Malange à Lunda, também a considera e classifica, sublinhando a sua importância, a seu ver injustificada, como panaceia para múltiplas doenças, p. 45. Múlê: mb «simboliza a perpetuação do título político... para os Lunda e para os Lwena também, os dois termos para árvores Lannea – muyomb e mulemba – diferem na medida em que a primeira é predominantemente um símbolo ligado aos ancestrais, enquanto que a segunda se liga directamente à chefia», Hoover, Seduction, p. 575. «Árvore sagrada da maioria das etnias do ‘nordeste’. O lugar desta árvore na cultura tsokwé e Lunda é muito importante. Todas ou quase todas aldeias têm uma mulemba que normalmente assinala o lugar da fundação. É debaixo dos seus ramos que frequentemente se discutem os grandes problemas, se faz justiça, se recebem os visitantes de honra, se dança, etc. Foi sob uma mulemba que Lweji recebeu pela primeira vez o seu futuro esposo, o grande caçador Tshibinda Ilunga», Mesquitela Lima, Fonctions, p. 305, 306. Areia, Les Symboles...,p. 395, afirma que no nordeste a mulemba é por excelência a árvore ligada ao culto dos antepassados. Citando um dos seus informadores, quando apontava a figurinha Kuku do cesto de adivinhação, diz: “Isto é o Lemba, uma pessoa de outro tempo, a mulemba é para lembrar o Kuku. Outro dos informadores apontando as árvores alinhadas ao lado de sua casa afirma ali residirem os antepassados e daí a existência de duas árvores, uma dos homens e uma das mulheres. Vancina em How Societies..., pp.239, 240, e nota 98, sublinha a importância da mulemba como árvore ancestral, sem relação, do ponto de vista das raízes linguísticas com lemba - lémbà - o mais velho de todos os residentes irmãos da mãe.

Por analogia, a Revista Mulemba quer ser, também, conforme essa árvore sagrada, o centro de inúmeras discussões e críticas que analisem obras literárias e temas africanos voltados tanto para a tradição, como para a modernidade. Publicando artigos os mais variados sobre escritores, poetas e intelectuais africanos, pretende contribuir para aumentar a visibilidade das culturas e literaturas africanas.

As árvores, de modo geral, têm a função de purificar o ar, controlar a erosão da terra, proteger e sustentar a vida. Metaforicamente, a Revista Mulemba também se propõe ser um instrumento vital de florescimento e renovação cultural, passando informações preciosas, divulgando textos, escritores e estudiosos, incentivando novos escritos, imprimindo uma salutar respiração aos estudos literários dessas letras africanas que, durante tanto tempo, estiveram alijadas dos espaços escolares e universitários.

 

Os editores