CHAMADA PARA DOSSIÊ "PORNOGRAFIA, FILOSOFIA E PSICANÁLISE"

2024-01-15

Em meio a uma conversação entre a filosofia e a psicanálise, este dossiê busca estabelecer discussões que questionem problemas atuais dentro do cenário político-social do Brasil e do mundo, como, por exemplo, o caos estabelecido na política brasileira pós-eleições de 2022, as guerras entre Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, além das tensões cada vez maiores entre China e Taiwan. As imagens dessas guerras também constituem uma presença que causa angústia, mas muitas delas acabam sendo tão onipresentes que acabam se tornando banais, pornográficas.

Todas essas discussões tiveram seu início com um texto peculiar, publicado no The New York Times no dia 10 de março de 2023, intitulado My year of talking about porn, da tradutora e escritora Polly Barton. O texto tinha como objetivo divulgar a mais nova obra de Barton, Porn: an oral history (2023), em que a autora se encontra com dezenove indivíduos para conversar sobre pornografia. Polly Barton questiona seus interlocutores desde os seus primeiros encontros com material pornográfico, seus hábitos atuais até os efeitos que a pornografia teve em seus relacionamentos amorosos.

Apesar de parecer uma tarefa simples, falar sobre pornografia e sexo não veio como algo natural para Barton ou para seus interlocutores. Ela declara o medo de ser considerada uma “conhecedora” ou “amante” de pornografia, de ter sua carreira marcada por mal-entendidos. No entanto, ao fim de sua obra, Barton é deixada com mais dúvidas do que respostas sobre esse objeto tão complexo como a pornografia. Complexo de que maneira? Na atualidade, a pornografia é vista majoritariamente como uma indústria audiovisual. No entanto, através dessa mídia, é possível entrever elementos que já estavam presentes na sociedade, que são levados, muitas vezes, ao seu extremo, em nome da fantasia e das exigências por parte de um público. Esses elementos vão desde a violência contra a mulher, a LGBTIfobia, o racismo, capacitismo, objetificação de corpos negros, tortura e, até mesmo, a pedofilia e o fascismo. A indústria pornográfica se utiliza da fantasia e do gozo como elementos de disseminação de ideologias e ideais diversos sem que aqueles que a consomem se deem conta.

Questionar, tensionar a pornografia nos faz pensar sobre como estabelecemos e mantemos (ou não) relações interpessoais. Zygmunt Bauman concebeu essa sociedade com o que ele denominou como uma sociedade “líquida”; Byung-Chul Han com o desaparecimento do Eros, do erótico; Walter Benjamin com a desauratização da obra de arte e sua reprodutibilidade técnica. Todos esses pensadores se debruçaram sobre elementos que podem ser ligados ao advento e ascensão de ideais pornográficas em diversos âmbitos.

Além desses pontos de discussão, abrem-se também outras questões: seria possível pensar a pornografia como ferramenta de subjetivação? Como objeto de criação de si, como estética existencial? A partir de quais parâmetros é possível conceber essa prática sem cair nas armadilhas de aprisionamento de subjetividades com vistas puramente mercadológicas e exploratórias? É de nosso interesse buscar compreender o que seria um pornô bom e um pornô ruim a partir da própria relação com o sujeito e sua liberdade ou assujeitamento. É do nosso interesse, a partir dessa posição de assujeitamento, pensar a pornografia como um problema central em discussões de gênero, raça, corporalidade; que abordem a questão da mulher como submissa ou objeto de prazer sádico; de corpos negros como objetos de fetiche construídos por bases racistas que nos foram legadas no Brasil por um longo período e que ainda se manifestam em nosso inconsciente, como foi apontado por Lélia González; da objetificação de corpos trans e gênero-dissidentes e de corporalidades contranormativas de maneira geral.

O desejo por construir este dossiê se dá pela busca de uma maior interlocução entre a filosofia e a psicanálise, mas também entre áreas como a sociologia e a literatura, construindo possibilidades interpretativas para problemas atuais, como é o caso da pornografia. Pensadores que navegam por essa temática nos anos recentes, como Polly Barton, Éric Bidaud, Paul B. Preciado, Jacques-Alain Miller, entre outros, questionam esses elementos e nos auxiliam a pensar em diferentes formas de constituição por meio de diversas práticas de si, nas palavras de Michel Foucault. Como colocou Jacques-Alain Miller, pornografia é uma questão própria do século XXI, e, em especial nas últimas décadas, tornou-se algo muito presente nos consultórios psicanalíticos.

A pornografia é um objeto que não para de se fazer presente e que causa angústia enquanto não for compreendida em suas motivações, seu surgimento e o que a torna uma compulsão, uma repetição necessária da qual não se consegue fugir (NASIO, 2013). Invoca-se o caráter de sintoma da pornografia que se mostra no corpo do sujeito e que pode, através da fala, como o fez Polly Barton, ser interpretada. Pornografia, como dispositivo, se faz através do imagético, e exige imperativamente do sujeito que ele GOZE!

Seria uma imagem corporalizada que se espelha no outro (nossos semelhantes) e no grande Outro (a cultura, a linguagem, a política etc.) o propósito da pornografia? Como já diagnosticara Guy Debord, em sua Sociedade do espetáculo (1967), todas as nossas relações foram transformadas em uma constante performance e, mais que isso, uma performance valorada, com base naquilo que ela pode oferecer a um mercado que está constantemente em circulação e, assim como aponta Preciado (2018, p. 281), “pornografia é a sexualidade transformada em espetáculo”. Por fim, este projeto busca engendrar discussões que produzam e reflitam aspectos político-sociais necessários para compreender a atualidade através disso que chamamos de pornografia.

Serão recebidos para avaliação artigos, resenhas, traduções e ensaios de pós-graduandos (mestrandos e doutorandos). Graduados ou graduandos poderão submeter materiais contanto que em coautoria com pós-graduandos. Os trabalhos deverão seguir impreterivelmente as normas ABNT e o template da revista, disposto em Diretrizes para Autores. Trabalhos que não sigam tais normas serão devolvidos.

O Dossiê é fruto de uma parceria entre a Revista Ítaca e o grupo de estudos FILPSI.

 

Prazo para submissão: até 12/04/2024

Previsão de publicação: setembro de 2024

 

Referências bibliográficas

BARTON, Polly. My Year of Talking About Porn. Online. Nova York: The New York Times, 2023.

BARTON, Polly. Porn: an oral history. Londres: Fitzcarraldo Editions, 2023.

BAUDRILLARD, Jean. Pornography of war. Cultural Politics, v. 1, n. 1, p. 23-25, 2005.

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: L&PM Editores, 2018.

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LACAN, Jacques. O Seminário, livro 19: ...ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

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NASIO, J. D. Por que repetimos os mesmos erros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

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ZUPANČIČ, Alenka. O que é sexo?. São Paulo: Autêntica, 2023.

 

Organização: Allan Henrique Bacelar da Silva (PPGE/UNICENTRO), Bruno Latini Pfeil (PPGF/UFRJ), Cello Latini Pfeil (PPGF/UFRJ), Marcos Antônio da Silva Santos Ferreira (PPGF/PUC-PR), Milena Costa Morvillo (PPGES/UNESP), Viviane Rodegheri (PPGF/UFRJ).