Diva e a histeria: o narrador médico e o controle da voz no romance de José de Alencar
DOI:
https://doi.org/10.1590/1517-106X/2024e62123Resumen
Diva (1864) talvez seja um dos romances mais mal afamados de José de Alencar, tratado desde cedo como coisa menor: de “uma pieguice condenável” (Machado de Assis), marcado por “elefâncias do estilo” (Franklin Távora) ou, ainda, “obra que pouco ou nada vale” (Antonio Candido). No entanto, apresenta importante inovação para a literatura brasileira da época, que é a figura discursiva do narrador médico em primeira pessoa – o qual é sistematicamente rejeitado pela heroína em atitudes tidas como extremadas. Uma releitura feita à luz dos estudos pioneiros sobre a histeria, desenvolvidos por Charcot, Breuer e Freud e, posteriormente, por teóricas do feminismo (Elaine Showalter, Sandra Gilbert e Susan Gubar), pode ajudar a compreender tal recusa. A somatização de sintomas de ordem psíquica no corpo da mulher, que caracterizaria a primeira abordagem sobre a histeria, representa uma recusa sistemática da parte da heroína em aceitar o poder inédito de que a figura do médico foi investido ao longo do século 19, numa tentativa de preservar sua voz particular em meio a uma sociedade para a qual a mulher deve abdicar de sua autonomia e identidade. Junte-se a isso o plano narrativo, visto que o narrador médico em Diva detém não apenas o direito de invadir e clinicalizar o corpo de sua “paciente” como também de expô-la ao leitor sob seu exclusivo ponto de vista. Antecipando-se aos estudos sobre a histeria, o romance de folhetim de fato já representava a heroína, em Alexandre Dumas e Eugène Sue, como ameaça ao poder masculino enquanto personagem e narrador (Queffelec). Vinculando-se a essa singular tradição literária, Alencar faz de Diva um dos livros mais contundentes já escritos sobre a situação da mulher na sociedade brasileira da segunda metade do século 19, culminando em um nível de tensão poucas vezes visto até então.
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