MAL-ESTAR E DESASSOSSEGO NO ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: PROSA POLIFÔNICA ENTRE PESSOA E SARAMAGO
DOI:
https://doi.org/10.35520/diadorim.2021.v23n1a39454Palavras-chave:
Saramago, Mal-estar, Polifonia, Desassossego, Pandemia.Resumo
O presente estudo analisa o romance Ensaio sobre a cegueira (1995), do escritor português José Saramago, cuja narrativa descortina uma peste em forma de cegueira branca. Esta investigação é suscitada pelo que, fora do âmbito ficcional, se vive no ano de 2020: uma desproporcional e arrastada pandemia, causada pelo vírus da COVID-19, que provoca desassossegos grandes, a exemplo do que experimentam os personagens no texto literário. Para a fundamentação teórica deste artigo, tomamos centralmente o ensaio O mal-estar na civilização (1930), de Sigmund Freud, visto que, no romance, uma epidemia contagiosa instaura na sociedade o caos coletivo e provoca a derrocada de certa segurança social. O contributo freudiano sobre o mal-estar geral, predominante na sociedade da abertura do século XX, reverbera até este nosso milênio pandêmico, quando o isolamento social problematiza a relação eu-outro. O mal-estar se faz forma e engendra a polifonia na tessitura do romance indicado, nos moldes do pensamento crítico de Mikhail Bakhtin. É inerente à sociedade de não-ficção, à semelhança da ficcional saramaguiana, o estado de desassossego potencializado pelo caos pandêmico. Desassossego tornado axioma no Ensaio sobre a cegueira que, nesta análise, é inevitavelmente associado ao(s) Livro(s) do desassossego, prosa de Fernando Pessoa publicada apenas nos anos 1980. Entre Saramago e Pessoa, amparados por Freud e Bakhtin, procuramos caminhos de leitura para o mal-estar na nossa civilização.
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