LITERATURA: URGÊNCIA E SENTIDO
DOI:
https://doi.org/10.35520/diadorim.2021.v23n1a44477Schlagworte:
Literatura Brasileira, Urgências de nosso tempo, Linguagens, Suportes e meiosAbstract
Em entrevista concedida em maio de 2020, o escritor Mia Couto é indagado se a atual crise sanitária mundial teria reverberação direta em sua escrita. Ao que responde ter “quase pudor por pensar nesses termos com essa tragédia”. E prossegue, “[...] agora sou apenas um cidadão que se junta à luta pela prevenção da epidemia.” Posteriormente, lembra que “aconteceu o mesmo com a guerra. Esse tempo era demasiado cruel, demasiado próximo para que eu pensasse nesse drama em termos literários. Depois, sucedeu. [...] Não era a guerra em si mesma que me interessava, mas o que ela negava em termos da preservação da nossa humanidade”. Na proposição benjaminiana, trata-se do entendimento de que se determinadas experiências deixam de ser narráveis e transmitidas, outros modos de perceber e comunicar o mundo encontram lugar. Em nossa história recente, talvez possamos registrar poucos momentos tão urgentes como o atual. A urgência sanitária de que fala Mia Couto é também uma urgência ecológica, política e, em última instância, uma urgência de sanidade. “Meus olhos são pequenos para ver”, ou, ainda, “em vão me tento explicar”, advertem os versos de Drummond em A rosa do povo, livro escrito durante a guerra.
Mais recentemente, em abril de 2021, acerca da publicação do Projeto Decamerão: 29 histórias da pandemia, Mia Couto reavalia a questão colocada no ano anterior. Para ele, a possibilidade da escrita nesse contexto está relacionada a uma disposição em buscar outro alento, sair de si para não perder o sentido da esperança.
Portanto, poderíamos perguntar: é possível uma literatura escrita e inscrita no agora, isto é, simultaneamente às urgências que este tempo impõe? Se ela é possível, de que modo responde, ao longo de sua história e contemporaneamente, a tais urgências (emergência ecológica, urgência de tomadas de posição, de atribuição de sentidos, de tempo e de vida)? Que linguagem(ns), suportes e meios operam nesse processo? Estes são alguns dos questionamentos que motivaram as reflexões acolhidas neste dossiê temático.
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