As línguas e as culturas indígenas: representações literárias e realidade linguística
DOI:
https://doi.org/10.35520/diadorim.2020.v22n2a38529Keywords:
Língua indígena, Literatura IndígenaAbstract
As identidades coletivas sempre foram altamente complexas, apesar da tendência geral à simplificação que nossas categorias lhes tentam impor. O contato intercultural e interlinguístico se constitui num fator ao mesmo tempo clarificador - desde que oferece uma alteridade evidente com a qual se confrontar - e complexificador - no sentido de que possibilita a hibridação e as identificações múltiplas. Talvez não exista uma situação mais prototípica de contato e confronto brusco, violento, cortante, que a colonização moderna. Diversos povos europeus iniciam no século xvi umas invasões legitimadas não só pela força militar como também por um discurso de suposta superioridade cultural e religiosa. Um movimento que impulsa uma nova representação do mundo e de seus habitantes produto das novas experiências tanto quanto das expetativas prévias e das projeções interessadas. Um exemplo paradigmático disso é o próprio conceito (e a própria palavra) de «índio» ou «indígena».
A denominação de índio ou indígena responde claramente à criação de uma categoria unificadora de uma alteridade percebida pelos intérpretes europeus como radical e uma respeito da própria autorrepresentação. A imensa diversidade dos povos habitantes da América antes da colonização é assim drasticamente reduzida e condensada em um só conceito que ainda por cima carrega significativamente a expectativa da viagem europeia: afinal a etimologia de «indígena» é nascido na Índia.
Essa enorme diversidade unificada sob o conceito de «índio» tem uma retroação lógica, a da necessidade de um conceito complementário, o de «branco», isto é, uma projeção igualmente redutora nas culturas e nos povos europeus. E mais importante ainda, tem também um efeito de estrangeirização dos povos originários americanos. A apropriação dos territórios colonizados exige a despossessão dos seus antigos usufrutuários, acompanhada de um discurso que visa serem percebidos como estranhos, alheios, paradoxalmente estrangeiros à identidade hegemônica comum, que é a «nacional». Os esforços de uma parte da sociologia, da história, da antropologia e até de alguma literatura por enquadrar as identidades pré-coloniais no tronco principal da identidade cultural brasileira têm sido incapazes de alterar substancialmente o pensamento hegemônico da população americana (e nomeadamente brasileira) geral. Deste jeito, as culturas indígenas são quase sempre representadas com estereótipos monolíticos, primitivistas, estáticos e folclorizados.
Por esta razão continua a ser imprescindível o estudo tanto das culturas —e no âmbito desta revista, nomeadamente das línguas e das artes da linguagem— ameríndias como das suas representações atuais e pretéritas no imaginário hegemônico.
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