v. 12 n. 24 (2018): Movimento em Aristóteles I

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O presente número da AFC contempla um dos pilares da filosofia aristotélica: a compreensão do movimento. Tema filosófico e científico de importância fundamental para Aristóteles, o seu estudo e a sua definição são prerrogativas básicas para a compreensão da sua concepção de natureza, phýsis. É para dar conta dela que o Estagirita se detém diante do inquietante caráter do movimento, e desenvolve um cabedal conceitual que ultrapassa em muito as delimitações usuais desse âmbito de conhecimento. Do espaço mais primordial e íntimo do coração, ao espaço cósmico; da estrutura sólida e compacta dos ossos, à abstração pura das analogias geométricas; da determinação teleológica ao movimento sem causa e sem fim, o movimento encontra, em Aristóteles, sem sombra de dúvida, o pensador que sabe como corresponder à sua complexidade.

Até hoje esse tema continua a incitar os espíritos, visto a quantidade qualificada e a variedade de abordagens dos trabalhos submetidos e aprovados pelo corpo editorial da AFC, para a formação do dossiê “O movimento em Aristóteles”, levando inclusive, à divisão dos artigos em dois grupos, e perfazendo um segundo número da revista (que já vem).

Assim, abrimos o número atual com o trabalho de Pierre-Marie Morel, editor e tradutor de Aristóteles, que demonstra a relação estreita entre os tratados Geração dos animaise o Movimento dos animais, através da concepção de unidade orgânica, a qual requer a formulação de conceitos e teorias que abordem a relação e a distinção interna desafiante entre motor e movido. Em seguida, dois trabalhos que têm como tema principal as dimensões do espaço: o primeiro de Francisco Caruso e Roberto Moreira Xavier de Araújo, pesquisadores de História da Ciência doCentro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que buscam esclarecer porque o número de dimensões do espaço é diferente em diferentes obras de Aristóteles e como esta diferença foi recebida ao longo da história da física, tendo como premissa a diversidade das concepções de movimento; e o segundo, de Matheus Damião, jovem doutorando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ, quediscute as duas caracterizações de διαστάσεις que se encontram unidas em De caeloII 2, e propõe uma interpretação sobre a relação de princípio que Aristóteles estabelece entre elas. Em continuidade, o quarto trabalho, de Lucas Angioni, defende que o emprego de premissas geométricas no Incessu Animaliumnão é um exemplo da “transposição” proibida de assuntos e ciências, mas algo que está de acordo com a teoria dos Segundos Analíticos, eesclarece a noção “kind-crossing”.  Fechando o primeiro conjunto de artigos do dossiê, o trabalho de Isabelle Koch, pesquisadora da Universidade de Marselha, apresenta a originalidade do pensamento de Alexandre de Afrodísia, o mais importante dos antigos comentadores aristotélicos, (o que comprova, como bem assinalou Pierre Hadot, que a prática comentarista não era desprovida de valor filosófico); Koch analisa o argumento antideterminista de “movimento sem causa” usado por Alexandre em sua defesa da concepção aristotélica de responsabilidade.

Complementando o dossiêsobre O movimento em Aristóteles, apresentamos uma pequena amostra de um projeto de publicação em português de três livros de Pierre-Marie Morel. A amostra consiste na tradução de um capítulo da sua obra intitulada De la matière à l’action: Aristote et le problème du vivant. Agradecemos a  Pierre-Marie Morel a sua gentil autorização para esta publicação.

Coroando a publicação, apresentamos um artigo sobre Parmênides, pensador que Aristóteles afirmava negar o movimento e, consequentemente, a própria phýsis. Nestor-Luis Cordero, na contramão da ortodoxia que segue esta opinião, apresenta-nos, no conjunto da obra superstite do Eleata, quatro problemas e respostas da “física” parmenidiana.  

Os artigos aqui publicados são, em sua maioria, resultantes de discussões travadas no VII Simpósio Internacional Ousia, que se realizou em setembro de 2017 no IFCS/UFRJ, com a subvenção do Programa de Apoio a Eventos no País, PAEP, da CAPES e do Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Graças aos apoios e a essa subvenção, pudemos realizar um Simpósio do qual participaram a comunidade de pesquisadores brasileiros, além de três colaboradores franceses do laboratório Ousiaatravés do acordo de cooperação internacional CAPES/COFECUB. Ao publicarmos esses trabalhos, realizamos um dos objetivos da AFC que é o de integrar em sua linha editorial os rumos e resultados da intensa colaboração existente entre os centros de pesquisas nacionais em filosofia clássica e os de universidades de vários países. Mas, sobretudo, afirmamos a importância e a excelência da produção filosófica e científica brasileira, que, a despeito dos obstáculos, segue firme na determinação de não abrir mão da sua missão, fundamental para a democracia e o desenvolvimento cultural dos cidadãos.

 

Eraci G. de Oliveira, Editora Convidada dos n. 24 e 25

Fernando Santoro, Editor Responsável

 

Publicado: 2018-12-12