Vol. 17 No 34 (2023): Filosofias Clássicas Não-Ocidentais I
O volume 17, números 33 e 34, dos Anais de Filosofia Clássica abre um leque para discussão com Filosofias Não-Ocidentais sobre o que pode ser considerado “clássico” em tais tradições. Esta edição busca ampliar as fronteiras da filosofia clássica para além do Ocidente Greco-Romano, destacando diferenças de concepção de mundo e de modo de pensar como temas para um debate filosófico contemporâneo que apreende a diversidade do seu passado como potência de criação. Cada cultura apresenta modos singulares de construir linguagens, filosofias, histórias e artes. Quando diversas culturas se apresentam lado a lado, com suas diferenças dispostas para o diálogo, permitimo-nos acreditar na provocação criativa de comparar filosofias, e na riqueza de traduzi-las em diversas línguas. Esta sempre foi uma vocação do nosso multilinguismo editorial, que abraça com ânimo também o multiculturalismo e o transculturalismo. Os clássicos nos ensinam muito mais a lidar com as diferenças do que a reverenciar mitos de origem e fundação.
A busca por autores e temas clássicos de Filosofias Não-Ocidentais surge de olhar para formas de saberes e experiências sapienciais produzidas por comunidades e civilizações tão ou mais antigas do que as mediterrâneas, que encontramos nos vales do Nilo, do Niger, do Indo ou do Amarelo, entre outras. “Filosofia” seria um termo intraduzível de origem grega? Os intraduzíveis residem nas encruzilhadas em que se produz a equivocidade, onde os caminhos se multiplicam - e incitam à traduzir. A tradução em filosofia não se furta a tais caminhos. Em nosso planeta esférico, direções diferentes levam a outros lugares e também retornam ao mesmo porto. Há diversos modos de percepção da realidade; há diversos saberes ancestrais constitutivos da humanidade, que buscam pensar, em diferentes modos e métodos, questões essenciais que um ser humano sozinho não alcançaria.
Aqui, a reflexão sobre Filosofias Clássicas Não-Ocidentais muitas vezes partiu da perspectiva de autores ocidentais que nelas encontram caminhos para problemas planetários, levando-nos a pensar em uma filosofia comparada, como na discussão de Turci sobre uma perspectiva sintrópica. O risco de subsumir as diferenças no céu da universalidade ocidental não foi desconsiderado, e foi explicitamente tratado no artigo de Veloso. Mas também publicamos as vozes da Ásia e da África com seu próprio olhar de tradições milenares voltado para categorias, métodos e relacionamentos com ocidentais, um estranhamento que faz Platão, Kant, Hegel, Peirce, Foucault e outros serem convocados a dialogar com Hampâté Bâ, Diop e Lao Tsé, como nos artigos de Dagaud, Oda, Ting, Gan-Krzywoszyńska.
Os artigos reunidos neste número discorrem sobre tradições sapiênciais e filosóficas chinesa (Kanaev, Ting, Gan-Krzywoszyńska), japonesa (Oda, Wang, Ting, Gan-Krzywoszyńska), russa (Costa), indiana (Turci), africana (Dagaud, Veloso) e amefricana (Veloso, Athayde, Costa). Muitas vezes, os artigos assumem uma postura metafilosófica comparativa, explicitando como tema o significado de falar de uma Filosofia Africana (Dagaud) ou tratando explicitamente das diferenças sobre os conceitos de civilização no Oriente e no Ocidente (Ting, Kanaev).
Nessa abertura do campo filosófico para diferentes tradições e perspectivas, é preciso ressaltar a importância das traduções e, em muitos casos, das intraduções de certos termos e expressões que surgem na passagem de uma língua a outra. Este número traz uma tradução inédita em português de um subcapítulo do livro Cosmologia e Prática no Xamanismo Siberiano, de Elena Nam, precedida por um estudo introdutório sobre o xamanismo russo. Os artigos deste volume foram escritos em português, francês e inglês, nem sempre por autores nativos nestas línguas, mas foram sempre convocados e tratados os conceitos também em suas línguas originais: iorubá, russo, chinês, sânscrito, japonês. Sob essa perspectiva, as contribuições apresentadas nos artigos não apenas ilustram a diversidade de tradições filosóficas existentes, mas também convidam a um diálogo vivo sobre como as palavras, conceitos e doutrinas podem (ou não) ser transpostas de uma cultura para outra. É significativo que as duas pesquisadoras convidadas para editar este volume, Caroline Ting e Verônica Costa, junto com o editor-chefe da revista, Fernando Santoro, trabalhemos no desenvolvimento do Dicionário dos Intraduzíveis. Esperamos, portanto, que este panorama incentive pesquisas futuras, sempre comprometidas com o reconhecimento dos diversos modos de pensar que compõem o imenso mosaico das filosofias humanas.
Os Editores
Editor dos Anais de Filosofia Clássica: Fernando Santoro, UFRJ, Brasil
Editoras da edição "Filosofias Clássicas Não-Ocidentais I“ :
Caroline Pires Ting, UFRJ, Brasil; Verônica A. Costa UFRJ, Brasil.