V. 6 N. 15 (2024): DOSSIÊ SOBRE A REVOLTA DOS GOVERNADOS DE 2013 NO BRASIL

Manifestantes em 2013

EDITORIAL:

REFLEXÕES A RESPEITO DO DOSSIÊ SOBRE A REVOLTA DOS GOVERNADOS DE 2013 NO BRASIL

Dez anos depois dos maiores protestos da história brasileira (2013), nos quais os governados saíram às ruas em todas as capitais do país e até em alguns bairros, como no caso do Rio de Janeiro, ainda existe uma disputa de interpretações sobre seu significado.

Curiosamente, a esquerda e a direita negam os principais símbolos dos protestos e na campanha eleitoral permanente (que estão imersos até as profundezas de suas existências) uma acusa a outra de ter determinado as ações dos manifestantes que quebraram vidraças de bancos, de sedes de prefeituras, de casas legislativas, criticaram gastos com estádios de futebol, com a copa do mundo da FIFA, a vinda do Papa, dentre outras ações diretas. Esquerda e direita, definitivamente, não compreendem os valores dos insurgentes populares, que chamo por quizumbeiros, muitos deles descendentes de quilombolas.

Esse dossiê está dividido em duas partes. A primeira, trata de artigos que analisam as manifestações de 2013 exclusivamente e/ou inclusivamente. A segunda parte é fruto do seminário que produzimos no âmbito do canal do CPDEL/UFRJ no YouTube por conta do aniversário de dez anos da insurgência popular.

O primeiro artigo é de minha autoria e está no contexto de uma crítica daquilo que chamei por “paulisto-centrismo”, como parte do “casagrandismo” que, por sua vez, constitui-se como expressão máxima do eurocentrismo no Brasil. Explico que tanto a esquerda quanto a direita estão embebidas por essas abordagens ao demostrarem um profundo amor pelas instituições coloniais e um horror aos protestos de negros, indígenas, anarquistas, revolucionários e pobres em geral.

O segundo artigo é de Cristina Antonioevna Dunaeva e de Bartira de Albuquerque Dias denominado: “Memórias de Junho de 2013 no Cariri Cearense”. Fugindo do paulisto-centrismo e da estadolatria, as autoras resgatam as manifestações de 2013 no interior do Ceará, encenando com a importância das lutas autonomistas e das práticas de organização política e cultural anarquista e libertária. Trata-se de artigo absolutamente importante que joga de pernas para o ar o eurocentrismo, contribuindo para a memória das lutas decoloniais tanto para dentro do Brasil quanto para fora. Super recomendo a leitura.

Já a autora Isadora Gonçalves França apresenta uma importantíssima análise sobre o papel dos oligopólios de comunicação de massa no Brasil e a sua peculiar criminalização das lutas populares. O caso em tela é o dos protestos de 2013 e o papel dos black blocs. França demonstra como os corpos de preto nas manifestações, que serviam de escudo para proteger os manifestantes da violência policial, foram tratados como inconsequentes e taxados como vândalos pela grande mídia. Esse discurso caminha junto com a exigência de um Estado mais punitivista para com quem se rebela. Isadora faz uma pesquisa ímpar, sobretudo para quem tem interesse em saber mais profundamente sobre processos de criminalização de manifestantes praticados sob a estadolatria. Ademais, a autora parte de um quadro teórico decolonial e anarquista, nada peculiar nessa academia casagrandista.

O quarto artigo dessa edição é de Lara Sartorio Gonçalves e Mariane Silva Reghim, diferentes dos demais, elas não se prenderam aos acontecimentos de 2013, mas partiram dele para pensar em outras manifestações que juntos configuram o status quo de divisão entre esquerda e direita no Brasil.

Na segunda parte da edição estão transcrições de um seminário que organizamos sobre os dez anos das manifestações de 2013. Nessa ocasião, convidei diferentes militantes e pesquisadores que participaram dos protestos daquele ano e contribuíram para um pensar anarquista sobre os acontecimentos.  A ideia era ouvir e aprender com  pessoas de diferentes cidades do país. Assim, dividimos em dois dias. No primeiro, tivemos a participação de Fouthine Marie (coletiva Anarcofeminista Insubmissas), Rafael Saddi (prof. do Dpt. de História da UFGO) e Jessica Ellen da Rocha Silva (Profa. e militante da FOB/Terra Liberta - Ceará). No segundo dia tivemos como debatedores: Clayton Preto Rodrigues (prof. da UFOB, Anarco-individualista, abolicionista penal, ativista do amor livre); Victor Khaled (Militante da FARJ e coordenador do ITHA); Vicente Mertz (Doutorando em Antropologia na Universidade de Lisboa). O debate completo está disponível no canal do CPDEL/UFRJ nos seguinte links: 1) primeiro debate: https://www.youtube.com/live/4sRPiQTOa8Q?si=qJgMukKTte_TAxb6; 2) segundo debate:  https://www.youtube.com/live/3Ibcn51F4rU?si=ecccHAO7QahGOB9i.

Nesse número seguem as duas intervenções das mulheres – Fouthine e Ellen – do primeiro debate (que ocorreu no dia 21 de junho de 2023) e a transcrição na íntegra do segundo debate (que ocorreu exatamente uma semana depois no dia 28 de junho de 2023). Foi uma experiência muito gratificante ouvir e aprender com diferentes perspectivas sobre as particularidades de diferentes territórios: São Paulo, Ceará, Porto Alegre, Goiás, Rio de Janeiro, Pelotas, Florianópolis. É um sonho poder publicar as falas de militantes tão importantes e que ajudaram a construir os atos propriamente ou participaram deles como observadores participantes. Aqui não é o academicismo eurocentrado, casagrandista e paulisto-cêntrico que molda nossas análises, muito ao contrário, são os militantes que possuem valor nas suas interações com as pessoas que compõem seus diferentes movimentos sociais autônomos. Assim, completamos esse número da REL.

Espero que o leitor se agrade com o que deverá ler e tenha acesso as interpretações que fogem da caixinha estadolátrica que vigora nas nossas universidades por intelectuais que escrevem do conforto de suas poltronas de luxo e contra os signos populares.

Boa leitura! Saudações quilombolas, quizumbeiras, quizombeiras e libertárias!

Rio de Janeiro, 2 de março de 2023.

Wallace de Moraes – editor geral da REL.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pubblicato: 2024-03-06

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