v. 12 n. 23 (2018): Mulheres míticas
Que os gregos reservaram um lugar especial para a mulher como tópos e trópos de pensamento, é evidente pelas inúmeras e poderosas deusas e heroínas que sua literatura nos legou numa legião que cobre todos os campos das atividades e dos saberes humanos.
Em meio a tamanha diversidade, os artigos que compõem o presente número deixam entrever um fio condutor, que é o de sua relação com o mundo masculino que as cerca, mas que em absoluto as determina. Assim sendo, temos aqui a fúria extremada de Medeia contra seu marido, a fragilidade absoluta de Andrômaca pela perda do seu, bem como a estratégia de Penélope para fazer frente à invasão de seu palácio pelo universo masculino durante a ausência de Ulisses e a tensão entre Helena e Menelau no seu retorno a Esparta.
A deusa Ártemis surge, doce e selvagem, como ponto de concentração de toda essa diversidade, enquanto Pandora é visitada aqui como aquilo que sempre foi: o espanto de se ver, o que acarreta consequências.
Por fim, Safo, a mulher que de fato viveu, mas que foi mitificada a ponto de ser dita a décima Musa pelo legado de uma poesia que ainda hoje é atualíssima e perturbadora.
Jaa Torrano toma o mito de Medeia como uma oportunidade para refletir sobre a noção de Justiça no teatro de Eurípides. Christian Werner, ainda explorando a obra do mesmo tragediógrafo, debruça-se sobre a Troiana Andrômaca para examinar como a heroína faz uso de suas faculdades anímicas para tentar dar conta da dura realidade na qual se viu envolvida na condição de cativa após a queda de Troia. Cristiane Azevedo apresenta um inventário das intervenções de Penélope na Odisséia a fim de pôr em evidência a prudência/astúcia (métis) com a qual a Rainha de Ítaca enfrentou o universo masculino que invadiu seu palácio durante a ausência de Ulisses. Teodoro Assunção mergulha na discussão em torno da ambiguidade do comportamento de Helena em Tróia a partir de uma análise do diálogo entre ela e Menelau que ocorre no Canto IV da epopeia. Beatriz de Paoli discute tanto a recepção antiga quanto a contemporânea do episódio da cólera da doce Ártemis no párodo do Agamêmnon de Ésquilo para daí tirar suas próprias conclusões. Luiz Otávio Mantovaneli parte de uma menção que é feita à propriedade privada na abertura do mito de Prometeu constante na Teogonia de Hesiodo para relacioná-la com a apresentação de Pandora em Os trabalhos e os dias e aponta para a possibilidade de a mulher ter sido a primeira propriedade privada e fundamento de todas as demais. André Malta apresenta uma tradução inédita do fragmento 31 de Safo, conhecido como Sintomatologia do amor, para propor um ensaio que aborda três questões bem vivas, autoria, gênero literário e expressão do sentimento amoroso.
Completam este número, fora do dossiê, o artigo de Lúcio Salles, que investiga as relações entre o surgimento da retórica siciliana e as práticas que marcaram a sofística ateniense,a resenha de Verônica Fillípovna, que visita a recém lançada tradução e adaptação brasileira do Dicionário dos Intraduzíveis, de Barbara Cassin, Fernando Santoro e Luísa Buarque, cuja intenção é pensar a multiplicidade de sentido operada pela tradução de termos filosóficos entre diferentes línguas e culturas, e a tradução de Eraci Oliveira para um capítulo do livro de Pierre-Marie Morel, Epicuro, a natureza e a razão.
Luiz Otávio Mantovaneli
Editor responsável pelo número 23
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