v. 4 n. 1 (2021)
Como tive a oportunidade de assentar em outro momento[1], uma nova configuração do direito internacional, que permitirá a identificação dos valores fundamentais da humanidade, ganha uma grande riqueza de contornos a partir da grande produção de convenções internacionais de direitos humanos que começa a ocorrer especialmente após o segundo pós-guerra, impulsionada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela criação das Nações Unidas e pelo surgimento dos sistemas regionais de proteção de direitos humanos. O valor da dignidade humana apresenta-se, a partir de então, como a pedra de toque da construção normativa subsequente. Isto porque ao pormenorizar o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto internacional de direitos civis e políticos e o Pacto Internacional de direitos econômicos, sociais e culturais, reconheceram a dignidade inerente a todos os seres humanos, bem como direitos iguais e inalienáveis, contemplando- a como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Nesta esteira, a INTER – Revista de Direito Internacional e Direitos Humanos da UFRJ - publica mais um número, com artigos que contemplam assuntos interessantes e atuais relacionados à temática.
Esta edição é aberta com os estudos de Davi Marques da Silva que aborda a distribuição federativa de recursos financeiros no Brasil e sua relação com a formulação e planejamento de políticas públicas no cumprimento da análise dos direitos fundamentais. O artigo intitulado A CRISE FEDERATIVA PODE SER EXPLICADA POR UM CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO? apresenta-se como resultado de levantamento e pesquisa bibliográfica que busca um corte transversal sobre o processo crescente de centralização de recursos e atribuição para definição de políticas públicas a favor do governo federal nos anos seguintes à promulgação da Constituição brasileira de 1988. Na sequência, Isabella Branquinho Arantes apresenta A EDUCAÇÃO INCLUSIVA À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS, onde analisa os julgados da Corte nesta matéria (educação inclusiva) a fim de compreender como os julgamentos podem repercutir internacionalmente em avanços nos sistemas educacionais vigentes.
José Noronha Rodrigues, professor na Universidade de Açores, trata do ASILO, REFÚGIO E OUTRAS FORMAS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL: RELACIONAMENTO E DIFERENÇAS CONCEITUAIS, e analisa os institutos numa perspectiva histórica, por forma a perceber o seu desenvolvimento na ordem jurídica internacional. Faz também uma abordagem conceitual ao “Direito de asilo” como instrumento universal ao serviço dos Direitos Humanos fundamentais do indivíduo. Em seguida, a professora Maria Creusa de Araújo Borges, em parceria com Ângelo José Menezes Silvino, contempla o estudo relativo a EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, COSMOPOLITISMO E INTERCULTURALIDADE: A CONFIGURAÇÃO DE UM DIREITO PÚBLICO DA HUMANIDADE COMO INSTRUMENTO DA PAZ onde, com fundamento na vertente jurídico-dogmática e na abordagem sociojurídica, articulam os conceitos de interculturalidade, cosmopolitismo e educação em direitos humanos, ao tratar do projeto de educação para a paz como propósito da Organização das Nações Unidas.
O artigo intitulado LUTAS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS: RESISTÊNCIA À OPRESSÃO E DESOBEDIÊNCIA CIVIL EM NORBERTO BOBBIO, HANNAH ARENDT E HENRY THOREAU, de André Luiz Valim Vieira, tem como objetivo geral o estudo da resistência à opressão e da desobediência civil como propostas de lutas sociais e representativas de direito humanos e fundamentais com os referenciais teóricos e metodológicos de Norberto Bobbio, Hannah Arendt e Henry David Thoreau. Esses pensadores, em várias de suas obras, se dedicam a criar os preceitos teóricos e as condições políticas necessárias para que as lutas sociais organizadas possam enfrentar regimes totalitários e alcançar formas legítimas e democráticas de governos e de controles de poder do governante. Paula Uematsu Arruda apresenta o artigo OBRIGAÇÕES POSITIVAS NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS: PERSPECTIVAS PARA A EFETIVIDADE DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, ao argumentar que ao longo do processo de desenvolvimento dos sistemas internacionais dos direitos humanos, um grau de proteção menor foi conferido aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, categorizados como direitos de segunda geração, em relação aos direitos civis e políticos, categorizados como direitos de primeira geração. O estudo é crítico à essas abordagens tradicionais ao apresentar a dogmática que desloca o eixo do direito para os deveres/obrigações (de respeito, promoção e proteção) correlatas aos direitos humanos e conclui que a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos desenvolveu metodologia própria de interpretação e aplicação dos direitos contidos na Convenção Europeia de Direitos Humanos como forma de contornar a ausência formal dos direitos econômicos sociais e culturais.
Na sequência, o estudo que versa sobre PROTEÇÃO AMBIENTAL, COMÉRCIO INTERNACIONAL JUSTO E DIREITOS HUMANOS: “FAIR TRADE” COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E DOS DIREITOS HUMANOS, de Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho, analisa o risco de isolamento do Brasil no cenário internacional, em decorrência do enfraquecimento das políticas públicas de proteção ao meio ambiente e dos direitos sociais, ao identificar a tendência nos países mais desenvolvidos por um consumo consciente, com o surgimento de uma regulação a partir dos consumidores. Nesse cenário, percebe-se o “fair trade” como movimento capaz de influenciar no estabelecimento de posturas empresariais sustentáveis, com potencial repercussão na regulação estatal e, por fim, ao encerrar este número, Paulo Alves Santos estuda a VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, onde apresenta, inicialmente, alguns dados e concepções teóricas existentes acerca do termo violência policial. Em seguida, o problema é examinado à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com ênfase na decisão proferida no Caso Favela Nova Brasília, em que houve a responsabilização internacional do Brasil pela ausência de investigação e responsabilização de agentes policiais que incorreram no uso indevido da força. As conclusões lançadas reforçam a necessidade de adequação das condições estruturais do sistema criminal brasileiro em direção aos estândares interamericanos de respeito e proteção aos direitos humanos.
No mais, me regozijo com a comunidade acadêmica por apresentar mais um belíssimo trabalho, que conta com a colaboração de professores, alunos e técnicos, para a difusão da pesquisa no Brasil e no mundo. Desejo uma excelente leitura!
Rio de Janeiro, inverno de 2021.
Prof. Dr. Sidney Guerra
Professor Titular de Direito Internacional e Direitos Humanos
Editor da INTER – Revista de Direito Internacional e Direitos Humanos da UFRJ
[1] GUERRA, Sidney. Estado e direitos humanos em tempos de crise. 2. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2020.