v. 11 n. 22 (2017): Platão e Homero - II
O Vol. 11 de 2017 dos Anais de Filosofia Clássica publica nos números 21 e 22 um dossier com artigos sobre a complexa relação de Platão com Homero, a qual é uma metonímia da relação da Filosofia com a Poesia.
Questões filosóficas decisivas são abordadas nos diálogos de Platão tendo como interlocutor ou objeto de discussão a poesia épica e especialmente Homero. Na República, Homero é, sem dúvidas, um nome para ser considerado entre as personagens principais, citado em diversos conceitos e pontos em discussão. O primeiro ponto diz respeito ao próprio estabelecimento do modo filosófico de conhecer e educar, que concorre diretamente com a épica tradicional – como educar e formar a cidade? A questão central neste ponto é a questão da verdadeiro e do falso. Temas clássicos aparecem em torno do problema da verdade: o problema da imitação e da representação, que está no fundo da concepção de verdade como correção e adequação (encaminhado desde a discussão do livro III sobre o conteúdo dos mitos homéricos e hesiódicos utilizados na educação, até a famosa representação da caverna e do caminho para uma reeducação filosófica). Ainda, temas relativos aos modos de educação ética e política, envolvendo o modo como a emoção contribui ou interfere na percepção do real e na formação do caráter são discutidos tendo como objeto a poesia trágica – cujo maior expoente, diz surpreendentemente o Sócrates da República, é também Homero!
Mas não é somente nos diálogos em que Homero é citado, como a República e o Ion, entre outros, que temas homéricos ou passagens da Ilíada e da Odisseia são invocados ou aludidos. O problema lógico e cognitivo da referência e da adequação dos nomes às coisas nomeadas, objeto central do diálogo Crátilo, fará alusão a uma tradição de pensadores como Antístenes e Heráclito, que frequentemente trazem a personagem literária de Ulisses, e episódios míticos como o da caverna do Cíclope, em que o herói vence pelo estratagema de enganar o monstro dizendo ter por nome “Ninguém”. Outros diálogos também foram importantes para adensar o dossier, como a Apologia de Sócrates, o Hippias Menor e o Criton. Tais temas e tais formas de abordar os temas foram objeto de discussão no VI Simpósio Internacional OUSIA, em 2016. Conferencistas deste simpósio e outros colaboradores foram instados a submeter suas contribuições em forma de artigos.
Neste número 22, Luc Brisson apresenta a famosa condenação de Homero por Sócrates no livro X da República de Platão, firmando sua interpretação centrada na crítica aos efeitos éticos e políticos da mimesis, que seriam nocivos à alma, distintas, para o autor, das considerações propriamente estéticas.
Carla Francalanci contribui para o dossier comparando as cenas de sedução encontradas na Odisseia, o encontro entre Ulisses e Nausicaa, e as colhidas nos diálogos Cármides, Alcibíades e Lisis, entre Sócrates e a juventude ateniense. Em comum, reversões de aparências e expectativas e, sempre, para as inteligências de Ulisses e Sócrates, uma prova de suas virtudes morais e intelectuais. Um ponto para a compreensão da filosofia como atividade erótica.
Publicamos a tradução de Josefina Mello do artigo de François Rénaud sobre a autoridade de Homero nos diálogos de Platão, e como o filósofo serve-se da tradição para introduzir o exame socrático e dar origem à sua compreensão de filosofia como atividade de "dar sentido" (didónai lógon) às coisas.
Fábio Fortes discute a relação da escrita com a dialética no Fedro, examinando a questão das origens da filosofia pelo estatuto da passagem da cultura oral à cultura escrita.
Luiz Menezes analisa o mito de Giges, presente em Heródoto e no primeiro livro da República de Platão, em fragmentos de uma tragédia descobertos nos papiros de Oxirinco. A tragédia de autor desconhecido é anterior às outras versões conhecidas e mostra sob outra perspectiva, a relação da filosofia e da história com os mitos.
Fechando este volume, temos o interessantíssimo estudo de Alberto Bernabé sobre os juízes infernais em Platão e Homero, retomando um tema, caro aos órficos, acerca de um juízo das almas após a morte. Acompanhamos neste estudo o que pode ser o modelo platônico de elaboração de mitos edificantes, ou de mentiras úteis, reelaborando a tradição e criando novas histórias a partir dela.
Neste número, publicamos também a segunda parte (M 1. 97-168) da tradução de Joseane Prezotto de Contra os Gramáticos de Sexto Empírico.
Por fim, gostaríamos de dedicar esse número à nossa saudosa Josefina Neves Mello, a Josie, colaboradora constante dos Anais de Filosofia Clássica e do Laboratório OUSIA, que neste número publica seu último trabalho, a tradução do artigo de François Rénaud.
Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e à CAPES o apoio ao VI Simpósio Internacional OUSIA: Platão e Homero;
e à CAPES e ao COFECUB, o apoio à cooperação em pesquisa no projeto PRÁTICAS E TEORIAS DA POÉTICA NA GRÉCIA ANTIGA: DE PARMÊNIDES A ARISTÓTELES.