v. 4 n. 2 (2021)
Após dois anos da pandemia da COVID-19, pode-se observar grandes avanços em diversos campos, como a resposta rápida dada pela comunidade científica para a produção da vacina, mas também gigantescos retrocessos e, em particular, em matéria de direitos humanos e do direito internacional. Neste sentido, conforme assentado em outra oportunidade (Direito internacional das catástrofes. Curitiba: Instituto Memória,2021), a COVID-19 tornou-se uma catástrofe global e trouxe diversas repercussões para o sistema internacional, como por exemplo, o descumprimento de contratos internacionais; o fechamento de fronteiras dos Estados nacionais; a prática da “pirataria moderna”; racismo; xenofobia; aumento da pobreza; etc.
Não por acaso muitos estudos formulados para este novo número da INTER – Revista de Direito Internacional e Direitos Humanos da UFRJ passam por questões que envolvem a Covid-19 e violações aos direitos humanos, porém, sem olvidar da formulação de respostas e caminhos a serem seguidos para fazer frente aos desafios que são colocados para o mundo atual. Nesta toada, a presente edição é inaugurada com o estudo formulado por Ana Caroline Puglioli e Luís Alexandre Carta Winter sobre as relações entre a globalização, a expansão das empresas transnacionais e a necessidade de localizar elementos que auxiliem diretamente na consecução dos fins do compliance em tempos pandêmicos. O artigo A GLOBALIZAÇÃO, AS TRANSNACIONAIS, O PACTO GLOBAL, COMPLIANCE E A PANDEMIA DO COVID-19 NO BRASIL tem como proposta questionar os níveis de eficácia na aplicação do compliance enquanto ferramenta útil à materialização de boas práticas corporativas no setor de saúde pública e privada ao longo da pandemia de Covid-19 no Brasil. Em continuidade à temática de responsabilidades empresariais em direitos humanos, o artigo A PREVENÇÃO DE DESASTRES À LUZ DAS OBRIGAÇÕES EMPRESARIAIS DE RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS, de autoria de Diogo Calazans Ferreira Heilbuth e Rodrigo Vitorino Souza Alves, investiga como a assimilação de obrigações empresariais voltadas à proteção dos direitos humanos contribuem diretamente para a prevenção de desastres. No texto, os autores indicam quais as consequências jurídicas decorrentes do descumprimento de diretrizes preventivas para a gestão dos riscos da atividade empresarial.
Rocco Antônio Rangel Rosso Nelson apresenta o estudo intitulado A RECLAMAÇÃO TRABALHISTA E A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO: EVOLUÇÃO DO COSTUME INTERNACIONAL, no qual analisa se o Brasil teria possibilidade de declarar o direito em questões trabalhistas que envolvam diretamente Estados estrangeiros e, em caso positivo, as condições de executar o teor da sentença. Nesse viés, o escrito disserta sobre questões polêmicas em direito internacional, como a imunidade jurisdicional do Estado em matéria trabalhista ou mesmo sua possibilidade de relativização no contexto de uma demanda judicial dessa natureza. Na sequência, Amanda Pimenta da Silva estuda, a partir de uma abordagem de gênero, os papéis experimentados por mulheres em favelas militarizadas no Rio de Janeiro, tendo como parâmetros as negligências históricas e artísticas das mulheres nesses espaços. Assim, o artigo nomeado CITIES OF GODDESS: ROLES AND EXPERIENCES OF WOMANHOOD IN THE MILITARIZED FAVELAS OF RIO DE JANEIRO explora a figura da mulher e suas experiências no contexto das favelas militarizadas na cidade do Rio de Janeiro, bem como os efeitos desse cenário na configuração da vida das mulheres.
Voltando-se às interseccionalidades existentes entre o direito internacional e as normas trabalhistas, o artigo CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA PELOS MAGISTRADOS DE 1º GRAU DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO, de autoria de Richardy Videnov Alves dos Santos, Thiago Oliveira Moreira e Bento Herculano Duarte Neto, explora a ideia de um controle judicial de convencionalidade realizado pela Justiça do Trabalho brasileira frente às novas normas trabalhistas inseridas pela Lei nº. 13.467/2017, responsável por uma mudança estrutural do trabalho no país. Com isso, os autores procuram visualizar se os juízes do trabalho vinculados ao Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região têm recorrido à técnica do controle de convencionalidade para decidir favorável ou contrariamente às normas trabalhistas postas pela reforma. Noutra perspectiva, Lívia Maria Souza e Tarin Cristino Frota Mont’alverne escrevem o artigo DESASTRES AMBIENTAIS NO MEIO MARINHO EM DECORRÊNCIA DO DERRAMAMENTO DE ÓLEO: A (IN)SUFICIÊNCIA DOS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE MITIGAÇÃO DO DANO E RESPOSTA EFICAZ. No trabalho, as autoras analisam os impactos negativos da industrialização na vida dos oceanos provocados fundamentalmente pelo aumento dos níveis de poluição, e quais têm sido as respostas da comunidade internacional frente a tais problemas. Para isso, analisam a atuação de órgãos governamentais frente aos recentes incidentes de derramamento de óleo na costa brasileira e buscam comprovar que o Brasil não tem dado a devida atenção aos instrumentos jurídicos responsáveis pela mitigação dos danos ao meio ambiente marinho.
Maria Creusa de Araújo Borges, Cristiani Pereira de Morais Gonzales e Ângelo José Menezes Silvino escrevem sobre O DIREITO À EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS APÓS A QUEDA DO MURO DE BERLIM: O QUE A ONU TEM A DIZER 32 ANOS DEPOIS?, no qual debatem não apenas a contextualização da educação em direitos humanos como um direito autônomo, mas principalmente o modelo educacional em direitos pensado no contexto da ONU. Para isso, selecionam como referencial histórico a celebração dos 32 anos da queda do Muro de Berlim – símbolo da Guerra Fria e da repartição do mundo em dois ambientes ideológicos contrapostos. Em seguida, Melina Girardi Fachin e Catarina Mendes Valente Ramos trazem à tona importante contribuição denominada "ÓBITO TAMBÉM É ALTA": A TOTAL DESUMANIZAÇÃO DAS PESSOAS IDOSAS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19. No texto, as autoras exploram o cenário complexo da pandemia de Covid-19 no que diz respeito à desumanização e à monetização da vida das pessoas idosas. Enquanto grupo vulnerável, observa-se que se tratam de pessoas mais suscetíveis aos efeitos do vírus, especialmente pela taxa de mortalidade mais elevada em relação a outros grupos e que impõe significativos desafios ao direito nacional e internacional no que tange à proteção da população idosa.
THE ORIGIN OF THE MARGIN OF APPRECIATION AND THE JURISPRUDENCE OF THE EUROPEAN SYSTEM OF HUMAN RIGHTS AND INTER-AMERICAN SYSTEM OF HUMAN RIGHTS foi o assunto escolhido por Raquel Guerra, pesquisadora vinculada ao LEPADIA, em que investiga o instituto da margem de apreciação e sua implementação no âmbito dos Sistemas Europeu e Interamericano de Direitos Humanos e verifica os limites de seu uso e principalmente os níveis de aceitabilidade da doutrina em ambos os sistemas protetivos e para encerrar este número, André Luiz Valim Vieira redige interessante estudo sobre os TRATADOS INTERNACIONAIS E O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: ALCANCE E SENTIDOS DA PROTEÇÃO JUDICIAL, no qual analisa tratados internacionais nos quais o Brasil manifestou adesão ou concordância e que tratam diretamente do princípio do devido processo legal internacional e como essa questão tem sido contemplada no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Por fim, queremos agradecer (todo o corpo editorial da INTER) aos pesquisadores e pesquisadoras, pelos diversos estudos enviados e que possibilitou, mais uma vez, oferecer este belo trabalho acadêmico; aos integrantes do Conselho Editorial e pareceristas; aos leitores e leitoras, pelas mensagens, acessos e citações. O jovem periódico, que chega ao seu sétimo número, se consolida a cada dia no Brasil e no exterior e torna-se motivo de júbilo para toda a comunidade acadêmica. Uma excelente leitura!
Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 2021.
Prof. Dr. Sidney Guerra
Professor Titular de Direito Internacional e Direitos Humanos
Editor da INTER – Revista de Direito Internacional e Direitos Humanos da UFRJ