v. 32 n. 2 (2022): Saúde da população negra em tempos de pandemia
ESTE NÚMERO da Revista Praia Vermelha é um convite para pesquisadores e ativistas do campo das políticas públicas de proteção à saúde da população negra no Brasil. A presente chamada ocorre no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil, cujos impactos aumentaram as desigualdades socioeconômicas, com o agravamento das iniquidades em saúde, majoritariamente, compostas pela população negra. Outro tema importante e que contextualiza esta chamada são os balanços dos 20 anos da realização da Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância, em Durban, África do Sul no ano de 2001 e da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU de 2015 e 2024, que destacam as reflexões sobre as ações afirmativas e as lutas antirracistas.
O ATIVISMO ANTIRRACISTA construído pelos movimentos negros no Brasil, especialmente o movimento de mulheres negras, foi fundamental para a construção da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que a partir de evidências científicas passou articular a relação entre racismo e vulnerabilidades em saúde. Destacamos que esse processo teve início no final dos anos 1980, tendo como grande marco a realização da Marcha Nacional Zumbi dos Palmares, em Brasília, no ano de 1995, consolidando uma agenda antirracista na saúde pública brasileira apresentada ao governo federal.
A POLÍTICA NACIONAL de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em novembro de 2007, mas foi institucionalizada apenas em 2009 pelo Ministério da Saúde. Apesar deste reconhecimento formal do direito à saúde da população negra, muitos desafios estão colocados para a sua implementação. Podemos destacar: a falta de publicidade, poucos recursos orçamentários, baixa formação de gestores da saúde e profissionais, além da ausência de recursos para o fomento de estudos e pesquisas dirigidas aos impactos do racismo na produção das iniquidades em saúde no Brasil. Além disso, a reprodução social do capitalismo na sociedade brasileira contemporânea e a conjuntura do país marcada pelo negacionismo científico, pelo racismo nas relações sociais e instituições políticas, pelo avanço do fundamentalismo religioso, pelo aumento da violência contra as mulheres e a juventude negra periférica e pelo agravamento das desigualdades socioeconômicas foram outros fatores que impossibilitaram a consolidação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
A COMPREENSÃO do racismo como parte das determinações sociais em saúde, sob a perspectiva interseccional com gênero, classe e território é fundamental para as lutas sociais e a formulação de políticas públicas de saúde dirigidas às populações negras periféricas. A construção de políticas públicas antirracistas por evidências a partir das agendas dos movimentos sociais negros no campo da saúde, demanda a expansão de pesquisas científicas racializadas e a compreensão das articulações sociais, especialmente nas periferias, que organizam o combate à estruturação do racismo nas instituições do sistema de saúde. Esse processo passa pela compreensão da arena política contemporânea brasileira, marcada pelo avanço do conservadorismo, pelo racismo religioso, pelo avanço da desigualdade racial nas periferias, pelo aumento da violência dos estados nas favelas, pela retirada de direitos sociais e pelo desmonte das políticas sociais em razão do avanço da agenda neoliberal no Estado brasileiro.
O OBJETIVO deste dossiê é reunir artigos que apresentem uma reflexão sobre o racismo como componente das determinações sociais em saúde, dando destaque ao campo do direito e das políticas de saúde, com reflexões sobre os seus dilemas, disputas e impasses pertinentes à implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no Brasil. Trata-se de um debate que vem marcando o campo da reflexão sobre políticas públicas de saúde no Brasil desde os anos 80 do século XX, tendo o movimento de mulheres negras como protagonista, cuja pauta demanda o reconhecimento do racismo institucional no sistema de saúde, a produção de evidências científicas sobre as comorbidades e iniquidades em saúde mais constantes sobre a população negras, bem como ampliação de recursos, programas e participação social para o enfrentamento das desigualdades raciais na política de saúde brasileira.
INTERESSAM-NOS contribuições relativas às experiências acumuladas nos diversos setores da vida social, no país e no mundo no campo da saúde e sua interface com as expressões do racismo. Quais os principais dilemas e obstáculos existentes tanto do ponto de vista das estruturas institucionais quanto sociais em relação ao racismo na saúde? Quais as representações sociais são desveladas no debate sobre o tema? Como tem sido a participação dos movimentos sociais e políticos neste cenário? Quais os impactos da Covid-19 na saúde da população negra? Estas são algumas questões que pretendemos trazer à luz nesta edição da Revista Praia Vermelha. Serão bem-vindos artigos de todas as áreas das Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, de modo a ampliar a compreensão desta dinâmica que é necessariamente transdisciplinar.
Jadir Anunciação de Brito & Rachel Gouveia Passos
EDITORES AD-HOC