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Vol. 5 No. 1 (2024): Dossiê Temático - Emaranhados: semiótica contra o geontopoder
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A relação entre o modelo moderno-colonial de produção do conhecimento e seu papel nos processos de violência contra formas de pensar o mundo que não se reduzem à universalidade racional masculina, branca e eurocentrada segue impregnando nossas formas de conceber a distinção entre formas de Vida e Não Vida. Diante disso, é urgente estabelecer uma crítica contundente à cumplicidade da linguagem e das ciências na criação, justificação e invisibilização dessas violências, bem como seu papel na governança da diferença por meio da produção de semioses responsáveis pela distinção entre corpos, objetos e territórios, e pela distribuição desigual dos efeitos de poder entre eles.

Para tanto, o trabalho de Elizabeth Povinelli (2011, 2013, 2016, 2021, 2023b), que esteve na Universidade Federal de Goiás em 2024 para a realização de um workshop junto aos programas de pós-graduação em Letras e Linguística e Antropologia Social[1], torna-se força inspiradora. Com as questões provocadas pelo engajamento com o livro Geontologias: um réquiem para o liberalismo tardio (Povinelli, 2023b) em horizonte de reflexão, o workshop desenvolveu o tema Semiotics after geontopower, em que Povinelli discutiu como a semiótica poderia se erigir contra o geontopoder.

O conceito de geontopoder dialoga com o conceito de biopoder de Michel Foucault e seus debatedores críticos, como Achille Mbembe (2018) e Giorgio Agamben (2002), complexificando a governança da vida e da morte ao instituir sua dependência filosófica de outra diferenciação governada: aquela entre a vida e não-vida, que tem operado de forma explícita nos colonialismos como roteiro ético para o extrativismo. Geontopoder é um poder de divisão classificatória da existência, que se faz sensível na contemporaneidade como estratégia filosófica de despossessão colonial. O geontopoder é, portanto, uma analítica que empresta energia ao liberalismo tardio, e como tal, mecanismo de vida e morte que deve ser contradito, denunciado, combatido. Como ideologia colonial, o geontopoder toca a produção de conhecimentos e sentidos, nos provocando a pensar alternativas epistêmicas que desafiem o enraizamento desse poder na semiótica.

Durante suas conferências, Elizabeth Povinelli provocou a audiência: “Será que precisamos de uma semiótica depois do geontopoder?” (Povinelli, 2024, grifo marca a entonação da voz da autora). Restará algo com sentido depois da realização completa do geontopoder e a exaustão da terra? A diferença de perspectiva, ilustrada pela mudança de proposição dramatizou a catástrofe ancestral como um jogo sem saída, ressaltando a necessidade de uma semiótica que se levante contra o geontopoder: “semiótica contra o geontopoder tem por objetivo render a semiótica como incoerente” (Povinelli, 2024). Semiótica contra o geontopoder é um deboche do desejo de transparência e de verdade. É um jogo que a autora tem jogado em sua extensa produção sobre intimidade, gênero, sexualidade. Para a autora, embora as existências sejam emaranhadas, a distribuição da persistência dessas existências é desigual. E os resíduos coloniais, resultados de uma realocação de toxicidade, sempre ficam na terra e nos corpos, criando arquivos que são verdadeiros lembretes das dinâmicas do poder colonial (Mombaça, 2021; Silva, 2019; 2022).

 Considerando que Povinelli defende que a cunhagem e o emprego de conceitos possibilitam a canalização de nossa energia para formações que queremos ver florescer ou extinguir, este dossiê busca expandir o diálogo entre a pensadora e autoras e autores acerca de: a) relacionalidades e comunicação humana e mais-que-humana (Povinelli, 2022); b) catástrofes presentes e ancestrais; c) colonialismo em curso e seus processos de extração (Mombaça, 2020) e violência contra populações dissidentes em suas matrizes de raça, gênero e sexualidade; d) possibilidades de ser de outra maneira (Povinelli, 2023a): resistência e reexistência contra o geontopoder. Trata-se de um convite a trabalhos que se debruçam sobre os conceitos da pensadora e reconheçam, por um lado, o emaranhamento entre diversas formas de existência no planeta e, por outro, os processos históricos que se articulam a discursos, afetos e táticas que insistem em criar e manter separações.

Publié-e: 2024-12-30

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